A cidade dorme. Fatigada da labuta diária, esfalfada pelas suas ambições, extenuadas pelas suas lutas, abatida pelo excesso de sua vibração diurna, estafada pela febre das suas paixões. A cidade caiu no letargo de todas as noites. Calaram-se as últimas vozes da multidão, cessaram os últimos restos do trabalho e do prazer, recolheram-se os últimos notívagos, fecharam-se como túmulos todas as casas. Quem por aí, que já não tenha, ao menos uma vez tremido de susto e vibrado de emoção e entusiasmo ao ver o trabalho, ao admirar a coragem desses bravos bombeiros, e entre as chamas?
Coragem estupenda,cem vezes mais admirável do que a dos soldados que afrontam a morte nos campos de batalha. Nos campos de batalha há promoção: tal soldado a cabo de uma campanha, troca à blusa grosseira de guerreiro humilde pela farda agaloada de capitão, e até a farda bordada de general. Mas, neste campo de batalha contra o fogo, heroísmo é obscuro, a glória é anônima e a recompensa é nula.
Assombrosa luta! Um homem fraco pequenininho, humilde,contra o fogo que tudo pode! Uma espessa atmosfera negra e impenetrável rodeia a casa incendiada... De repente um grosso jato de água espanca e rasga a muralha de fumaça, e então vêem lá em cima as salamandras heroicas, mourejando entre as labaredas, lambidas e enoveladas por elas, numa peleja sobre humana!..