Mais uma vez noticio a morte. Tomara que ao escreverem sobre a minha morte, se escreverem, tenham, como tenho agora, lágrimas nos olhos ao falar de Alberto Armando Batista Gaspar.
Alberto Gaspar, quantas vezes discutimos; quantas vezes nos estranhamos e quantas vezes caminhamos juntos. Foi meu candidato a prefeito e a deputado, foi meu desafeto no MDB e inseparável companheiro de palanque.
Quantas vezes sonhamos juntos o tempo da revolução e quantas ideias para Juazeiro. Quantas mágoas pelos votos que não vinham, pela incompreensão de todos esses que não sabiam (e ainda não sabem), escolher.
Lembro-me de Gaspar e eu, nas ruas lamacentas, não de chuva mas dos esgotos, no Alto do Cruzeiro, ele candidato a prefeito e eu o fiel escudeiro, com os santinhos, os modelos, as fotos de nossos candidatos a vereador. Entramos em uma casa e a senhora nos tratou com atenção e nos levou para ir ver a cozinha. As paredes, de barro batido, parte caída e as telhas restantes sustentadas por uma vara.
"Dr. Gaspar" – ela disse e arrancou um sorriso de Alberto. Ser reconhecido no Alto do Cruzeiro? Ora pois bem, uma eleitora consciente – "O Senhor está vendo a situação. Nem quero muita coisa. Só as telhas, pois a maioria quebrou e uns tres sacos de cimento"
Gaspar me olhou, nos olhamos. Ele disse: "Minha amiga, sou um candidato que defende ideias, que tem propostas. Quem pode lhe dar as telhas é Etelvir ou Arnaldo, que são candidatos ricos"
De pronto, a senhora, simpática e risonha até aquele momento, retrucou: "Epa! Seu Arnaldo não! Ele é pobre".
Pelo menos saímos da casa com a certeza de quem a senhora iria votar. E tem tantas histórias e tem tanta vida e aventura em todas estas histórias. Tanta alegria. E aqueles enormes e fatigantes discursos que eram aulas de democracia, socialismo e sobretudo de coragem nos tempos em que vivíamos. E as caminhadas, solitárias e os cartazes, uns feitos a mão e as faixas...
Eu o apresentei a Dr. Elias e ele foi o engenheiro responsável pela construção do novo prédio da Santa Casa. Não seguiu assim tudo que o arquiteto havia desenhado e rimos do resultado final. Nos aproximamos, voltamos à militância, às infindáveis reuniões, partidárias ou de movimentos comunitários.
Nunca vi ou ouvi Gaspar duvidar em um só momento da capacidade do Povo aprender a fazer a História com as próprias mãos, moldar seu destino, construir um tempo de felicidade e Paz. Um guerreiro, um homem como o definido por Marx, pedreiro, filosofo e artista.
Um leitor voraz, culto, consciente e homem de partido; sem a desenfreada ambição que move nossos "políticos". Na verdade, absolutamente desapegado de todos os bens materiais.
Ele se vai. Recebeu outro dia o título de cidadão juazeirense, depois de 50 anos e discursos e chorou. Era o que ele queria. Não sei destes últimos tempos, mas deve ter se emocionado com a vitória de Lula e tenho absoluta certeza, que insistiu para ir votar.
Somos de um tempo que já foi embora. Tempo dos sonhos, das longas jornadas noite a dentro discutindo futuro, revolução, esperança, luta e voto. Estamos partindo um a um. Saul Rosas, Dr. Edilson Monteiro, Moanilton Mesquita, Professor Luiz Cunha e tantos camaradas e companheiros que deram a Juazeiro o ar de aventura que ainda persiste.
Ele se vai. Eu e ele não acreditamos, mas se houver, não haverá descanso para quem o receber do outro lado. Será um combatente e haverá sempre o que discutir, fazer e refazer; lutar e construir e, quem sabe, poderá sentar novamente em torno de uma mesa e voltar a sonhar com a vitória do Povo.
Até a Vitória e Sempre, Camarada Gaspar!
Manoel Leão
Jornalista
2 comentários
09 de Mar / 2023 às 09h51
Parabéns pelo texto Manoel Leão. Um rápido Raio X desse ilustre político, profissional e defensor da democracia. Tive o prazer de conhecer, trabalhar e militar ao lado desse grande homem, um exemplo de luta. Que Deus acolha e conforte familiares e amigos.
09 de Mar / 2023 às 11h00
Linda mensagem Manoel, eu através do querido e também já falecido pai tive a grata satisfação de trabalhar com esse ser humano extraordinário que foi Doutor GASPAR assim como pai o chamava o pouco que conheci e convivi na construção civil com ele foi momentos gratificante e sobre tudo percebia pelas atitudes dele com os funcionários um homem de um imenso coração. Não cheguei acompanha lo nos momentos políticos pois quando nos conhecemos acredito que ele já não mais fazia a politica depois de muito tempo nos conversando foi que ele me disse que já tinha sido candidato a vice prefeito. Meus sent