Espaço do Leitor - Notícia da morte de um Guerreiro do Povo: Alberto Armando Batista Gaspar morreu.

08 de Mar / 2023 às 23h00 | Espaço do Leitor

Mais uma vez noticio a morte. Tomara que ao escreverem sobre a minha morte, se escreverem, tenham, como tenho agora, lágrimas nos olhos ao falar de Alberto Armando Batista Gaspar. 

Alberto Gaspar, quantas vezes discutimos; quantas vezes nos estranhamos e quantas vezes caminhamos juntos. Foi meu candidato a prefeito e a deputado, foi meu desafeto no MDB e inseparável companheiro de palanque. 

Quantas vezes sonhamos juntos o tempo da revolução e quantas ideias para Juazeiro. Quantas mágoas pelos votos que não vinham, pela incompreensão de todos esses que não sabiam (e ainda não sabem), escolher. 

Lembro-me de Gaspar e eu, nas ruas lamacentas, não de chuva mas dos esgotos, no Alto do Cruzeiro, ele candidato a prefeito e eu o fiel escudeiro, com os santinhos, os modelos, as fotos de nossos candidatos a vereador. Entramos em uma casa e a senhora nos tratou com atenção e nos levou para ir ver a cozinha. As paredes, de barro batido, parte caída e as telhas restantes sustentadas por uma vara. 

"Dr. Gaspar" – ela disse e arrancou um sorriso de Alberto. Ser reconhecido no Alto do Cruzeiro? Ora pois bem, uma eleitora consciente – "O Senhor está vendo a situação. Nem quero muita coisa. Só as telhas, pois a maioria quebrou e uns tres sacos de cimento" 

Gaspar me olhou, nos olhamos. Ele disse: "Minha amiga, sou um candidato que defende ideias, que tem propostas. Quem pode lhe dar as telhas é Etelvir ou Arnaldo, que são candidatos ricos" 

De pronto, a senhora, simpática e risonha até aquele momento, retrucou: "Epa! Seu Arnaldo não! Ele é pobre". 

Pelo menos saímos da casa com a certeza de quem a senhora iria votar. E tem tantas histórias e tem tanta vida e aventura em todas estas histórias. Tanta alegria. E aqueles enormes e fatigantes discursos que eram aulas de democracia, socialismo e sobretudo de coragem nos tempos em que vivíamos. E as caminhadas, solitárias e os cartazes, uns feitos a mão e as faixas... 

Eu o apresentei a Dr. Elias e ele foi o engenheiro responsável pela construção do novo prédio da Santa Casa. Não seguiu assim tudo que o arquiteto havia desenhado e rimos do resultado final. Nos aproximamos, voltamos à militância, às infindáveis reuniões, partidárias ou de movimentos comunitários.  

Nunca vi ou ouvi  Gaspar duvidar em um só momento da capacidade do Povo aprender a fazer a História com as próprias mãos, moldar seu destino, construir um tempo de felicidade e Paz. Um guerreiro, um homem como o definido por Marx, pedreiro, filosofo e artista. 

Um leitor voraz, culto, consciente e homem de partido; sem a desenfreada ambição que move nossos "políticos". Na verdade, absolutamente desapegado de todos os bens materiais.  

Ele se vai. Recebeu outro dia o título de cidadão juazeirense, depois de 50 anos e discursos e chorou. Era o que ele queria. Não sei destes últimos tempos, mas deve ter se emocionado com a vitória de Lula e tenho absoluta certeza, que insistiu para ir votar.  

Somos de um tempo que já foi embora. Tempo dos sonhos, das longas jornadas noite a dentro discutindo futuro, revolução, esperança, luta e voto. Estamos partindo um a um. Saul Rosas, Dr. Edilson Monteiro, Moanilton Mesquita, Professor Luiz Cunha e tantos camaradas e companheiros que deram a Juazeiro o ar de aventura que ainda persiste. 

Ele se vai. Eu e ele não acreditamos, mas se houver, não haverá descanso para quem o receber do outro lado. Será um combatente e haverá sempre o que discutir, fazer e refazer; lutar e construir e, quem sabe, poderá sentar novamente em torno de uma mesa e voltar a sonhar com a vitória do Povo. 

Até a Vitória e Sempre, Camarada Gaspar! 

Manoel Leão

Jornalista

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