Hacker diz à CPI que Bolsonaro citou 'grampo' realizado contra Moraes e pediu que ele 'assumisse autoria' da invasão

O hacker Walter Delgatti Neto disse em depoimento à CPI dos Atos Golpistas que, em uma reunião com o então presidente Jair Bolsonaro, em 2022, ouviu que o governo já tinha conseguido grampear o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

E que Bolsonaro teria, nesse encontro, sugerido que Delgatti Neto "assumisse a autoria" do grampo.

A conversa, ainda de acordo com o hacker, foi intermediada pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). "Ela pegou um celular que estava com ela, enviou mensagem a alguém e o presidente da República entrou em contato comigo", disse Delgatti.

"E segundo ele [Bolsonaro], eles haviam conseguido um grampo, que era tão esperado à época, do ministro Alexandre de Moraes. Que teria conversas comprometedoras do ministro, e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo", diz o hacker.
Ainda segundo Delgatti, a ideia por trás dessa estratégia era evitar questionamentos "da esquerda" – já que, por ter hackeado autoridades ligadas à operação Lava Jato, em anos anteriores, ele gozaria de certo prestígio entre os opositores de Bolsonaro.

"Lembrando que, à época, eu era o hacker da Lava Jato, né. Então, seria difícil a esquerda questionar essa autoria, porque lá atrás eu teria assumido a 'Vaza-Jato', que eu fui, e eles apoiaram. Então, a ideia seria um garoto da esquerda assumir esse grampo", relatou.
Delgatti disse ainda:

que o grampo, segundo ouviu de Bolsonaro, teria sido feito por estrangeiros;
que não chegou a acessar as conversas supostamente grampeadas, e não sabe se elas existem;
e que, em troca de assumir a autoria do grampo, receberia um indulto presidencial.
Delgatti ficou conhecido por ter vazado, em 2019, mensagens atribuídas ao então ministro da Justiça e ex-juiz Sergio Moro, a integrantes da força-tarefa da Lava Jato e outras autoridades. Ele chegou ao Senado pouco antes das 9h.

Recentemente, o "hacker de Araraquara" voltou à mira da Polícia Federal pela invasão de sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a inclusão de um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No ofício, havia inclusive a frase "faz o L" — um dos slogans da campanha eleitoral mais recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

À época, Walter Delgatti Neto disse que o falso documento foi redigido pela deputada Carla Zambelli (PL-SP).

No total, foram aprovados 6 requerimentos para convocação do hacker — todos de autoria parlamentares da base de apoio do governo, entre eles a senadora Eliziane Gama (PSD-MA).

Na noite desta quarta (16), o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou que o hacker recorra ao silêncio durante o depoimento. A decisão atendeu a um pedido da defesa de Delgatti.

Walter Delgatti Neto voltou a ser ouvido pela Polícia Federal nesta quarta (16), um dia antes da ida à CPI. Foi a segunda vez em que o hacker depôs sobre a relação com Zambelli e o plano para invadir sistemas do Judiciário.

Investigado pela tentativa de invasão à Justiça, Delgatti está preso desde o início de agosto. Ele foi detido em operação da PF, que também contou com buscas e apreensões em endereços de Zambelli.

Segundo o advogado Ariovaldo Moreira, no depoimento, o hacker complementou informações e apresentou provas à PF de que foi contratado pela deputada para "invadir qualquer sistema do Judiciário".

Em entrevista a jornalistas, Moreira declarou que Delgatti recebeu R$ 40 mil pelo serviço.

"Ele faz provas de que recebeu valores da Carla Zambelli. Segundo o Walter, o valor chega próximo a R$ 40 mil. Foi próximo a R$ 14 mil em depósito bancário. O restante, em espécie. [Para] invadir qualquer sistema do Judiciário", disse o advogado.

Em depoimento à PF, Delgatti disse que esteve no Palácio da Alvorada e que, na ocasião, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) teria questionado a ele se seria possível invadir as urnas eletrônicas.

O encontro entre o hacker e Bolsonaro foi articulado por Zambelli.

Enquanto presidente da República, Bolsonaro fez reiteradas críticas às urnas e tentou colocar em xeque o sistema eleitoral sem jamais ter apresentado provas de eventuais irregularidades.

Em uma das empreitadas contra o sistema eleitoral, o então presidente convocou embaixadores para encontro no Palácio da Alvorada, com o objetivo de apresentar suposições infundadas sobre o processo eleitoral brasileiro. A reunião levou o TSE a declarar Bolsonaro inelegível.

À imprensa, a defesa de Carla Zambelli afirmou que a deputada "rechaça qualquer acusação de prática de conduta ilícita e imoral pela parlamentar, inclusive, negando qualquer tipo de pagamento ao mencionado hacker".

G1 E UOL Foto reprodução O Globo