Jovens mantêm sistema de reaproveitamento de água para melhorar alimentação 

A primeira lição ensinada pelos jovens estudantes da zona rural, em Quixadá, no Ceará, é que a seca não é um problema, mas uma condição. Eles não se referem ao pouco acesso à água como um limitante, mas dizem entender que faz parte da natureza no local onde habitam. Exatamente por isso, a relação com o recurso precisa ser amigável.

Dos 13 aos 21 anos, os netos e bisnetos de cearenses não querem sair do sertão, como era o sonho das gerações passadas. Mas para poderem fincar raízes, o aproveitamento da água precisa ser repensado por todos. A fim de incentivar esta permanência no campo, a organização não-governamental Esplar - Centro de Pesquisa e Assessoria desenvolveu, em parceria com a ONG internacional ActionAid, o bioágua.

Uso consciente, do momento em que se abre a torneira até chegar na horta. O caminho para a água cinza voltar mais limpa ao ciclo inclui um sistema de tubulação e filtragem construído com os materiais fornecidos pelas ONGs.

Areia, pedra, pó de serraria, esterco e minhocas compõem a engenharia construída no quintal da casa de Suyanni Nunes, de 17 anos, que também ajuda na gestão do bioágua. A mãe dela, que cedeu parte do terreno para a iniciativa, explica que é uma forma dos jovens aprenderem, produzirem o próprio alimento e ainda conseguirem uma renda extra com o excedente da produção destinada ao consumo próprio.

O jovem Edilson Cândido Batista, que deseja ser enfermeiro para ajudar a comunidade onde nasceu, participa do projeto desde o início, há cinco anos. “A gente inicia o processo já no ralo da pia. Toda a água segue para um tanque de gordura, onde é separada a água dos resíduos mais sólidos e gorduras”, explica.

Após a filtragem, a água segue para outro tanque, destinado a regar a produção. Acerola, mamão, maracujá e ervas medicinais, como capim santo, boldo e mastruz, são alguns dos frutos já visíveis na horta. A gordura que sobra também é reaproveitada, abastecendo um minhocário onde é feita a decomposição, até virar esterco e ir para a horta.

“Para que tudo seja aproveitado, a gente tem que estar de olho diariamente, fazendo manutenção. Mas, como agora está com menos água ainda, a horta está devagar”, observa Rair Castelo Branco de Melo, outro jovem participante da iniciativa e futuro técnico em agropecuária.

A geração contemporânea da ativista sueca Greta Thumberg é firme quando questionada se acredita nas mudanças climáticas. “Não só acreditamos, como vivemos na pele”, comenta o jovem. Rair repete que a estiagem não é um problema, mas a chuva, que já era pouca, está cada vez mais escassa.

Ele relata que rios e açudes demoram para encher e as cisternas precisam durar por mais tempo, o que dificulta atividades como cozinhar, lavar roupas e se hidratar debaixo de um sol de 34°C na sombra. “Por que a chuva tem sido mais rara?”, pergunto a Railton: “O desmatamento está aumentando demais, a gente vê as queimadas na Amazônia, e sem a floresta as chuvas não se formam”, ele resume.

Além disso, Nacélio de Almeida Chaves, engenheiro agrônomo e membro do Esplar, conta que grandes empresas do agronegócio, em regiões como Mossoró, no Rio Grande do Norte, captam água de longas distâncias, o que influencia nas bacias hidrográficas do entorno e impacta na disponibilidade hídrica para a agricultura familiar.

Maria Neuma Alves Moraes, coordenadora do projeto do bioágua no Esplar, ainda observa outra consequência decorrente do difícil acesso à água: a interrupção das aulas escolares. Na Escola de Ensino Fundamental Zilcar de Almeida, em Quixadá, há duas grandes cisternas, conforme ela mostra, mas mesmo assim ainda não é suficiente para atender a todos os alunos.

“Tem dias que não tem aula, porque falta água. Isso é um problema seríssimo nas escolas das comunidades rurais, sem água a escola fica fechada e crianças e jovens ficam dias sem aula”, ela comenta, ao ressaltar que em período de pandemia a ausência do recurso é mais crítico.

Neuma conta que um sistema de bioágua também foi implantado na escola em 2019, visando tanto o reaproveitamento da água, quanto o acesso a uma alimentação mais completa. Mas logo quando as sementes para a horta iriam chegar, a pandemia de Covid-19 foi decretada. “Com essa horta, a gente consegue melhorar a alimentação escolar. Se sobrar, eles ainda podem levar para casa”, ela ressalta.

A coordenadora do Esplar também se refere ao espaço do bioágua como uma sala de aula. “Aqui nessa área é possível estudar solos, plantas, biologia, e o próprio sistema do bioágua é uma aula de sustentabilidade, aula de ecologia”, diz contente, ao apostar que os jovens são os próximos professores para um futuro sustentável.

Globo Rural