Acompanhamos no início deste mês de novembro pela mídia e, principalmente, pelas redes sociais, informações acerca de manifestações ocorridas no município baiano de Correntina, extremo Oeste do estado. Tais mobilizações partem de trabalhadores e trabalhadoras e de diversos movimentos sociais que defendem as águas, os biomas Cerrado e Caatinga e a vida dos povos ribeirinhos de rios do Oeste, os quais são importantes contribuintes da bacia do Rio São Francisco.
As manifestações que contam com o apoio de diversas organizações nacionais e internacionais tiveram início com a ocupação de Fazendas Rio Claro e Curitiba, pertencentes à empresa Lavoura e Pecuária Igarashi Ltda, situadas na micro bacia do Rio Arrojado, contribuinte do Rio Corrente, que por sua vez é um dos mais afluentes do Rio São Francisco.
As fazendas ocupadas possuem licenciamento ambiental concedido pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente – INEMA, através de autorização para suprimir vegetação de cerrado e outorga de captação superficial para retirar do Rio Arrojado uma vazão de 182.203 m3 / dia, durante 14horas por dia, para fins de irrigação de uma área de 2539 hectares na Fazenda Rio Claro. A área total da empresa Igarashi na região de Correntina é de 4 mil hectares, dos quais 2,5 mil serão irrigados, por meio de 32 pivôs centrais, cada um para uma área de aproximadamente 80 hectares. O volume de água captada correspondente a 106 milhões de litros/dia, o que daria para abastecer dezenas de cidades ribeirinhas ou milhões de cisternas nas áreas rurais desses municípios.
Num momento de crise hídrica em que o lago de Sobradinho se aproxima do volume morto, torna-se de fato revoltante a liberação de tanta água em favor de grupos poderosos. O desespero da população ribeirinha e vizinha das fazendas de Rio Claro/ Curitiba atingiu o ápice durante o protesto do dia 02/11, quando 32 torres de energia elétrica da empresa Igarashi foram destruídas, como forma de evitar a exagerada captação de água no Rio Arrojado e chamar a atenção das autoridades e demais pessoas defensoras das águas.
As referidas fazendas integram o chamado projeto Matopiba, situado na maior fronteira agrícola do país, que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e conta com incentivos fiscais do governo federal e de Instituições Internacionais, tendo o agronegócio como carro-chefe, defendido intensamente pela bancada ruralista no Congresso Nacional. A produção baseada na lógica do agronegócio, com foco em monocultivos e exportação de grãos, é o que faz com que este projeto explore as águas, os solos, os aquíferos, a exemplo do Urucuia – um dos maiores contribuintes de águas subterrâneas que alimentam a Bacia do Rio São Francisco.
Esta problemática no Oeste baiano ameaça diretamente a vida dos rios como o Arrojado, Rio Grande, Rio Corrente e Carinhanha, uma realidade que também não se distancia do que acontece em todas as regiões da Bacia do São Francisco, de Minas Gerais a Alagoas. No Vale do São Francisco, a concentração de terra e água é também hoje uma preocupação. Os múltiplos usos de água e a falta de gestão adequada tem promovido um cenário amedrontador, sob pena das futuras gerações não terem mais acesso a água em quantidade e qualidade.
Reafirmamos que a situação vivenciada em Correntina, também, existe no Submédio São Francisco; pois já é possível constatarmos a destruição de nascentes, a poluição de riachos, a morte parcial dos afluentes. O Rio Salitre, por exemplo, é resultado de um modelo de agricultura inadequado à região semiárida, que implementam um modo de vida baseado numa visão desenvolvimentista, sem levar em conta peculiaridades e necessidades locais.
Os grandes empreendimentos aliados às inúmeras derivações clandestinas captam volumes significativos de água impossível de serem repostos naturalmente pelas chuvas dos últimos anos. Isso tem levado a constantes conflitos pelo uso de água, inclusive para o consumo humano e dessedentação animal que pela lei deve ser priorizado.
O CMMA vem a público esclarecer e solicitar a importância de toda a população acompanhar estas discussões, buscando conhecer as causas reais e a realidade dos fatos em todos os aspectos e não seguir o que parte da mídia convencional tem pautado a respeito desse tipo de manifestação e, alerta ainda, para a necessidade de medidas ambientais e institucionais que possam minimizar a problemática denunciada por aproximadamente 10 mil pessoas que estiveram reunidas em ato público em Correntina-BA no último dia 11. Reforçamos que a luta pela defesa do São Francisco é uma luta de toda a sociedade ribeirinha.
Conselho Municipal de Meio Ambiente de Juazeiro-BA
Ascom - CMMA
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