OS GALHOS BALANÇAM, MAS A ÁRVORE ESTÁ DE PÉ

A mídia faz estardalhaço, grande parte da sociedade ecoa e com exigência de mais repressão e mais violência contra a violência, vai se encurralando e sonhando com uma proteção que nunca chega.  O aprofundamento da repressão pelos aparelhos do estado encabeça o rol das ações exigidas por grande segmento da sociedade para enfrentar o narcotráfico e a violência. Essa é uma visão simplista, que por desconhecimento, comodidade ou conivência, exclui várias outras vertentes geradoras da violência, ignora o cerne do problema e despreza o efetivo enfrentamento da questão em toda a sua extensa profundidade. Não se discute, por exemplo, a responsabilidade da justiça, se minora os efeitos da desagregação social, o desprezo de valores éticos e morais  e a submissão da sociedade a um modelo consumista, individualista e hedonista.

O foco na repressão exclui várias outras concepções de combates às drogas e a violência vivenciadas por países que produziram e produzem resultados dignos de análises críticas e considerações.

Vejamos algumas publicações: 

Drogas e violência: a realidade nos países que legalizaram.

A maconha foi legalizada no Uruguai e em vários estados americanos permitem o uso dessa droga para fins medicinais. Outras nações, como a Holanda, permitem o uso pessoal de várias drogas. Na Colômbia, por exemplo, um plano americano de "combate" às drogas foi implantado e a violência ligada ao narcotráfico não desapareceu, pelo contrário aumentou. A experiência dos países que liberaram a droga indica que a violência diminuiu. No caso do Uruguai, caiu a zero.  Outro fato interessante é o caso de Portugal, que descriminalizou o uso pessoal de drogas há 11 anos e houve redução no uso nos últimos anos. Enquanto o uso de maconha atingia pouco mais de 3% em 2001 (antes da descriminalização) e a cocaína atingia os 0,5%, em 2007 (4 anos após a liberação do uso pessoal) em 2012, os índices caíram para níveis menores que os registrados em 2001, com o uso de maconha atingindo pouco mais de 2,5% da população e o uso de cocaína despencou para menos de 0,25% dos portugueses. 
Em estudo bancado pelo governo inglês, após 08 meses de intensas análises de dados coletados na Inglaterra e outros 11 países os pesquisadores produziram relatório intitulado “DRUGS: INTERNATION COMPARATORS”, e concluem com a constatação de que à guerra as drogas falhou. 

Quem desposa a idéia de que “bandido bom é bandido morto”, quando vê executado um jovem negro e favelado e crê que traficantes perigosos são apenas aqueles que as redes de televisão exibem após espetaculosas ações policiais nos morros e favelas, está inconscientemente ou não, protegendo os grandes traficantes, que circulam em altas rodas sociais, que freqüentam soirées na companhia de badaladas socialites, moram em caríssimas coberturas e luxuosos condomínios, fazem negócios em requintados escritórios das torres empresariais da moda e até participam de importantes decisões nas salas dos poderes constituídos do país. Uma atividade criminosa não se encerra em si. Ela requer outras a acobertarem sempre uma anterior. E cada atividade dessas, exige pessoas distantes do cenário criminoso, com ilibada reputação e respeitada posição na hierarquia social.

O submundo do tráfico internacional é fechadíssimo e restrito a seletos grupos. Para realizar negócio nele, é preciso grande articulação empresarial, amplo domínio do idioma inglês e fácil acesso no sistema financeiro para movimentar vultuosas quantias em euro e dólar. Convenhamos que não é o bandido da favela, que mal fala o português, que vai lá fora comprar armas ou vender drogas.

Segundo dados do Escritório da ONU contra Drogas e Crimes, o comércio ilegal do crime organizado registra ganhos anuais de cerca de US$2 trilhões.  Relatório feito em 2011 pelo Global Financial Integrity (GFI), um centro de estudos de Washington, para o Fórum Econômico Mundial, diz que o narcotráfico está em 1º lugar nas atividades criminosas. Em um distante 2º lugar vem a Falsificação: US$ 250 bilhões; em 3º o Tráfico humano: US$ 31,6 bilhões; em 4º Tráfico ilegal de petróleo: US$ 10,8 bilhões e em o 5º Tráfico de vida selvagem: US$ 10 bilhões.

É otimismo ingênuo acreditar na eficiente repressão por parte de um estado que capitulou ao crime organizado. Fala-se com estardalhaço da entrada das Forças Armadas no Rio de Janeiro. Como esperar eficiência de quem chega dependente dos conhecimentos do governo local no tocante às relações sociedade e crime organizado, da geografia da cidade, das táticas, da inteligência e da ação conjunta de uma policia, que é, em boa parte, conivente e parceira do narcotráfico? 

Hoje, são difusos os campos onde atuam o estado e o crime organizado. Na chamada guerra de maio de 2006, segundo divulgação do jornal “O Estado de São Paulo”, investigação realizada em 23 Institutos Médico-Legais do Estado, indicou que entre os dias 12 e 20 de maio, houve ao menos 493 homicídios em São Paulo”. “Destes, as acusações das entidades civis apontam para ao menos 221 praticados por policiais”. O armistício só veio, conforme noticiado, principalmente pela imprensa alternativa e confirmado em depoimento do Delegado José Luiz Ramos Cavalcanti, no processo judicial que investigou advogadas supostamente ligadas ao crime organizado, quando representantes do Estado sentaram, negociaram e fizeram acordo com PCC para cessar os ataques. E está dito, que “a proposta do crime organizado foi levada pela advogada Iracema Vasciaveo, então presidente da ONG Nova Ordem, que defendia o direito dos presos e, na época, representava o PCC: se os responsáveis pelo comando dos atentados nas ruas fossem informados de que Marcola estava bem fisicamente, que não havia sido torturado por policiais e que os presos amotinados não seriam agredidos pela Polícia Militar, os ataques seriam encerrados. E o recado deveria ser dado pelo próprio chefe do PCC” e assim foi feito.

Não está entre os bandidos facilmente caçados e subjugados ao poder do estado, os que produzem noticias como essas:
UOL Notícias, 25.11.2013.  PF apreende 450 kg de cocaína em helicóptero da família de senador Perrela de MG. (Os envolvidos não estão presos e a gloriosa Policia Federal não conseguiu até agora, sequer, identificar o dono da droga).


Portal G1 da Globo, abril 2017. Polícia Civil apreende 60 fuzis de guerra no Aeroporto Internacional do Rio. Segundo o secretário, já foram apreendidos 250 fuzis nos últimos 150 dias no Rio. As armas seriam negociadas no estado pelo empresário João Vitor Silva Roza. Todas as facções de traficantes do Rio recebiam armas desse grupo há pelo menos três anos — afirmou o delegado Marcelo Martins, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE).

EBC -Ag Brasil – 26.06.2017.  Piloto de avião interceptado com cocaína (640 kgs) diz ter decolado de fazenda de Maggi. (Blairo Maggi, é grande empresário do agronegócio, foi governador, Senador por Mato Grosso e atualmente é Ministro da Agricultura). Posteriormente, o piloto se desmentiu.

Gazeta WEB- 24.07.2017. Justiça manda soltar filho de desembargadora preso com 129 kg de maconha. Nesse caso, a própria Desembargadora, Tânia Garcia, Presidente do TRE de Mato Grosso do Sul, foi na cadeia tirar o filho Breno Fernando Solo.

No G1 PE – 14.03.2017 -  Quadrilha camuflava dinheiro do tráfico de drogas através de negócios lícitos, diz PF. Para desviar a atenção das autoridades, a quadrilha interestadual de tráfico desarticulada pela Polícia Federal utilizava um posto de gasolina, um clube e uma concessionária como fachada para as suas operações criminosas.

Essa última noticia, imediatamente nos leva às seguintes indagações: Em quantas outras atividades e lugares do nosso imenso Brasil, não estarão praticando igual ilícito? Será verdadeira a noticia de que o crime organizado tem o domínio absoluto do transporte alternativo, da distribuição de gás, do controle das TVs a cabo em muitas capitais e detém o absoluto domínio dos presídios do país? Quem poderá garantir que a frenética especulação imobiliária e outras muito bem sucedidas atividades empresariais, inclusive em nossa região, estão imunes às atividades ilegais?  
Ante todas as dúvidas, uma certeza se impõe: reprimir tão somente a parte visível e mais fraca do crime organizado é um faz de conta que jamais atingirá a eficácia capaz de vencê-lo. O buraco é muito mais embaixo, ou em cima. A repressão pode até sacudir os galhos e derrubar folhas, mas as sólidas e eficientes raízes manterão de pé a frondosa árvore que continuará a abrigar na sua sombra “respeitáveis” senhores do crime organizado.

Omar Babá Torres

Omar Babá Torres