Publicado em 12 de Outubro / 2011
Embora cearense no sobrenome, foi um maranhense de São Luís que exaltou com singela e rara exuberância as inolvidáveis belezas do Luar do Sertão. Quem, em algum momento da vida, já não cantou com enlevo e romantismo os versos de Catulo da Paixão Cearense (1863-1943), verdadeiro hino de louvação ao sertão? “Não há, ó gente não há, luar como este do sertão” traz o estigma da paixão profunda pelos encantos das terras semi-áridas do sertão, que não tem as águas verdes do mar a banhá-las, mas tem a noite iluminada pela celestialidade dos astros.
A noite, quando escura, é o apanágio dos fracos e dos possuídos por inconfessáveis propósitos; quando sob o brilho suave do luar, se torna o aconchego dos boêmios e românticos, envolvidos pelas doçuras do amor.
A divindade sábia e incomensurável do Criador estabeleceu regras básicas de justiça e convivência com a grandiosidade da criação. Tudo foi dividido com equidade; se de um lado as agruras da seca trazem ao sertão a fome, o sofrimento e a morte, ao litoral a chuva traz a tragédia das águas, inundando de dor o desprotegido homem urbano. Se o mar banha as praias e traz um refrigério de paz e prazer aos seus veranistas, o sertão tem o privilégio do luar inusitado e encantador, sem qualquer similaridade com as noites metropolitanas, cujas montanhas de cimento ofuscam e impedem o deleite do luar.
A caatinga, baixa ou rasteira, no crepitar dos seus galhos secos sob os efeitos do sol implacável, parece aguardar os estertores finais de uma vida de seca, hibernando à espera de uma gota da chuva salvadora. Durante o dia os buracos no solo ou as lapas de pedras se tornam no esconderijo protetor dos répteis e lagartos, que fogem do calor abrasador do sertão; à noite, por entre os gravetos e cipós retorcidos eles saem à caça do alimento ou simplesmente buscam a contemplação do luar, favorecidos na sua pequenez pela natureza que desfolhou as árvores, como se lhes abrissem as cortinas da beleza e do encantamento.
Tenho o privilégio de ser sertanejo por adoção espontânea. A experiência com o solo e a gente sertaneja trouxe-me lições de sensibilidade de como é viver e sentir o sertão, com as suas carências e grandiosidades. Em Uauá, prazerosamente, tive a honra de conhecer uma figura da maior magnitude moral, autodidata das letras e das palavras, cujo nome identifica com galhardia a sua terra e enriquece uma convivência cultural, nos seus bem-vividos 96 anos: Coronel Jerônimo Rodrigues Ribeiro.
Voltei novamente para o sertão de Uauá sem jamais ter saído dele, espiritualmente. Voltei para a contemplação de sua beleza maior e de incomensurável magnitude: o Luar do Sertão. Como disse Catulo da Paixão Cearense:
“Esse luar cá da cidade, tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar do sertão”
AUTOR: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público (Salvador-BA).
10 comentários
07 de May / 2017 às 23h17
"Mata o véio", Agenor! Embalei-me nessa leitura poética, inspiradora, maravilhosa, relembrando as noites passadas na AABB de Barra do Mendes (BA), em pleno sertão baiano. Não que eu algum dia tenha-me esquecido dos tempos ali vividos, mas a sua pena (ou seu computador) tornam as lembranças mais vívidas, mais saborosas, mais intensas! Parabéns pela sua verve literária! (Miraí-MG).
07 de May / 2017 às 23h24
Belíssima crônica, meu irmão. Que o GADU continue iluminando-o para continuar escrevendo pérolas. (Salvador-BA).
07 de May / 2017 às 23h27
Esse Artigo do Grande Agenor, é um misto de saber com o dever de uma pessoa voltada para tudo que diz respeito à vida e as pessoas. Não sei distinguir novamente se é uma poesia, um poema, uma melodia... Só sei que para escrever essas palavras tão verdadeiras é preciso que seja alguém dotado de saber, conhecimento, e notável seguidor da verdade na sua plenitude. Sinceros PARABÉNS!
07 de May / 2017 às 23h29
Mais uma beleza, cara! (Miguel Calmon-BA).
07 de May / 2017 às 23h32
Realmente você dá um recado de sensibilidade, sobre a imaginação fértil da capacidade do homem sertanejo, haja vista, que hoje até a música brasileira introduziu uma página sobre a diversidade de cantos com ritmo e caracterização exclusiva: SERTANEJO DE RAIZ, SERTANEJO UNIVERSITÁRIO E SERTANEJO DE SOFRÊNCIA. (Manaus-AM).
08 de May / 2017 às 08h17
A poesia torna-se eterna quando descrita com palavras que saem da alma. E este texto poético transborda de emoção quando revela que mesmo nos momentos difíceis da vida a força da nossa existência supera as dificuldades e revela a beleza de vivermos com intensidade. Nestas palavras sensíveis e fortes que você nos brinda, Agenor, entendemos por que a vida se renova a cada instante. FOZ DO IGUAÇU-PR.
08 de May / 2017 às 08h32
Parabéns pela bela crônica “Luar do Sertão. Não a tinha lido. Também sou sertanejo. Nasci e fui criado em fazenda. Desde pequeno sei o que é apreciar o luar, deitado em uma relva fresca, ouvindo o cricar dos grilos e o farfalhar das folhas de árvores sob uma brisa suave. Ainda tenho o meu recanto, às margens do majestoso ria Araguaia. Lá realmente o luar faz a diferença entre as noites da cidade e do sertão. (Goiânia-GO)
08 de May / 2017 às 10h04
Agenor, bom dia! Na minha percepção, o escritor tem dois grandes dilemas (ou ate mais), porem vou me ater apenas dois que são: 1 - Escrever para quem não conheça o tema ou fato e ter que convencer o leitor a gostar do conteúdo; 2 - Escrever para quem conheça o tema ou fato e não desapontar o leitor que é especialista no assunto. No caso especifico, sendo eu, nascido criado e por ter convivido toda a minha vida neste lindo e sofrido sertão, confesso que me senti inserido em cada frase e palavra descrita por você. Parabéns pela sua excelente crônica, pois na ótica será sempre atual.
08 de May / 2017 às 11h41
Sempre vale à pena debruçar sobre suas percepções. Somos sobreviventes, viventes e nativos dos sertões. Valorizamos, reconhecemos, vivemos isto. (Salvador-BA).
08 de May / 2017 às 11h44
Importante o "Vale a Pena Ler de Novo" para quem não conheceu o original. Bela crônica.