PUBLICADO EM 07 DE MAIO DE 2011
Era uma tarde reluzente como tantas outras no sertão. Sol escaldante que fazia tremer o solo e crepitar com intensidade os galhos secos das árvores da caatinga. Os animais que integram a fauna do semi-árido circulavam com a naturalidade de quem está acostumado com o seu ambiente de vida, o seu habitat natural. Os répteis rastejavam como se não sentissem o calor do solo, buscando o alimento cotidiano. Os pássaros de bicos abertos demonstravam a intensa sede que o calor lhes provocava e, por outros instantes, gorjeavam felizes na expressão maior do seu canto à liberdade. Tudo isso indicava a existência de um meio-ambiente de plena harmonia, normalidade e ecologicamente perfeito.
De repente algo cinzento cruzou os céus da caatinga, trazendo nebulosidade ao brilho dominante do sol. Algo estranho parecia estar acontecendo. E aquilo que se imaginava ser uma simples nuvem começou a inquietar os seres vivos da fauna catingueira, que logo iniciaram uma corrida apressada em busca de proteção, visto que os seus sentidos já sinalizavam que algo mais grave estava por acontecer.
Aquela imagem cinzenta que pouco a pouco se erguia aos céus, contorcendo-se ao sabor do vento que soprava como se fosse um pequeno tornado sertanejo, foi ganhando intensidade e cor para formar a nuvem da destruição. Eram labaredas que traziam o espectro da morte. Começava mais uma queimada na caatinga, portadora de tristeza e devastação. Como sempre ocorre em tragédias desse tipo, certamente a intervenção do homem nela se fez presente. A flora e a fauna quedaram entristecidas.
A natureza parecia momentaneamente indefesa ante a crueldade do fogo que exterminava a vida. As árvores mais robustas – aroeiras, barrigudas, angicos - com seus troncos queimados e enegrecidos se mantinham imponentes em sua postura fálica, como se fossem o troféu de uma prova de resistência.
Mas, após a tempestade de fogo veio o ressurgimento pujante das espécies da flora, fenômeno que expressava o restabelecimento das esperanças e de que as leis da vida finalmente iriam vencer as intempéries cruéis. Em seguida, a fauna se manifestou nas formas mais diversas, como se saudando com cantos de exaltação aquele acontecimento. Os pássaros que migraram para áreas menos perigosas retornaram aos espaços primitivos e cantavam festivamente comemorando um novo ambiente que se formava. Os répteis desconfiados, lentamente rastejaram sobre o pó das cinzas ainda quentes, também retornando à antiga morada. Era a vida que readquiria a sua plena forma. Era a paz que voltava ao sertão.
AUTOR: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público (Salvador-BA).
7 comentários
23 de Apr / 2017 às 23h18
Uma poesia plena... uma preocupação com a vida... uma atenção total com algo que nos representa, a tão sofrida caatinga...!!! Quem sou eu para comentar algo tão especial escrito sob a dádiva de uma inspiração de um verdadeiro sertanejo...!!! Valeu, Grande Agenor!
23 de Apr / 2017 às 23h34
Que pena, o homem continua a devastar, a destruir, mesmo sabendo da catástrofe iminente. (Uauá-BA).
23 de Apr / 2017 às 23h37
O "Vale a Pena Ler de Novo" está sendo importante para quem não leu o original no seu tempo. Excelente crônica. (Salvador-BA).
23 de Apr / 2017 às 23h47
Liminarmente, como está você de saúde, após aquele susto em Gramado? Desconhecia o seu lado de escritor/comentarista. Vivendo, vendo e aprendendo. É isto aí! Gostei bastante. Esse acima muito bonito e real para nosso sofrido sertão. Continue mandando sua brasa no particular! Gostaria de ter o seu livro, se é que já o escreveu, o que quero crer que sim! Onde pegá-lo? (Miguel Calmon-BA).
23 de Apr / 2017 às 23h59
Espero que este comentário o encontre com a sua saúde restabelecida. Sobre o seu artigo, “Hoje se tornou um triste cenário, que vem ocorrendo pela falta de educação ambiental e a irresponsabilidade do homem em preservar o nosso meio ambiente. Agora temos uma estação úmida moderada e uma estação seca, em detrimento de um sistemático desmatamento. E a seca tem um efeito perverso e devastador. Porque quando não chove as árvores se tornam inflamáveis. Quando o fogo entra, não vai mais existir a vegetação original, seja floresta tropical ou caatinga" (Manaus-AM).
24 de Apr / 2017 às 08h27
Uma mensagem que se eterniza pela preocupação do que deixaremos aos nossos descendentes. A compreensão de que o mundo em que vivemos é limitado é decisiva para tomarmos atitudes ecológicas. Agenor, este seu belo texto, que poderá ser lido e relido em qualquer época, proporciona um alerta aos pragmáticos e um alento aos decepcionados. Envolvendo a mesma preocupação: a preservação ambiental. Que iniciam com medidas macro tomadas por governos até nossas atitudes diárias em nossos lares. Como a simples coleta para reciclagem. FOZ DO IGUAÇU-PR.
24 de Apr / 2017 às 16h44
Prezado Agenor, bom dia! São tantos os fatos e acontecimentos (a maioria desagradáveis) dos últimos anos, que não conseguimos armazenar de forma ordenada todas as coisas boas que assistimos. Esta crônica me fez relembrar de um episodio que se passou com o meu pai (eu ainda menino assisti tudo, mesmo não compreendendo o que estava acontecendo) quando ele estava preparado um roçado para plantação na época da trovoada, ao botar fogo em um dos aceiros, perdeu o controle do fogo, cujo resultado foi 12 tarefas de cerca queimadas e a catinga totalmente destruída pelo incêndio. Florisvaldo F Santos