Pensando na questão da construção da paz social, por diversas vezes tenho defendido tese contrária a adoção da privação de liberdade de quem comete determinados crimes na sociedade brasileira como instrumento principal (estratégia prioritária) da Segurança Pública, nas condições atuais do sistema prisional brasileiro. Nenhum indivíduo vai retornar à sociedade reformado como cidadão portador de direitos e deveres sob o julgo das penitenciárias brasileiras, verdadeiras casas de formação de diabos, em vez de serem reformadores penais.
No Brasil não se define regras para determinados tipos de penas, não se tipifica o crime propriamente dito. Qualquer indivíduo que cometer um delito tem como punição o mesmo espaço privado de liberdade que todos. Quem mata dez pessoas ou estupra dez mulheres vai viver enclausurado no mesmo espaço de quem foi pego fumando um "baseado" de maconha. Ou seja, as estratégias para resolver os graves problemas de Segurança Pública para todos sempre vai ser a mesma penitenciária vazia de cultura, vazia de educação, vazia de assistência social e saúde, vazia de falta de trabalho e de acompanhamento da rotina.
Jogar determinados indivíduos dentro de uma penitenciária brasileira para que quem ficar de fora dela ter que trabalhar para pagar impostos para mantê-los lá dentro é a estratégia mais errada de quem acomodado para pensar está hoje responsável pela Segurança Pública e a paz social no Brasil. Talvez seja exatamente por isso que três movimentos relevantes e graves estão acontecendo no país.
O primeiro deles é que com o aumento de 150% da população carcerária no Brasil nos últimos 15 anos vem se criando aos poucos a cultura de que o sistema de gestão penitenciária e a gestão dos serviços penais são de responsabilidade exclusiva da Segurança Pública. Em muitos casos pelo Brasil afora os agentes penitenciários são confundidos com policiais, com atividades estruturadas em torno da figura de profissionais fardados, afoitos por uma hierarquia, disciplina e regime típico de forças militares. Ou seja, não existe um sistema apropriado para reeducar e reformar o indivíduo, no caso o criminoso, para retornar à sociedade. Ele é lixo e quando sair daquele espaço vai continuar sendo lixo e matéria da mesma estrutura da Segurança Pública, e pronto!
O segundo movimento da prisão como estratégia principal da Segurança Pública nas condições atuais é que se está criando de fato uma engrenagem dentro das próprias penitenciárias de sustentação do crime organizado. Quem está sendo solidário e reeducando ao seu modo o indivíduo dilacerado, preso e sem nenhum tipo de trabalho dentro dessas casas do diabo são as redes criminosas profissionais que precisam de quadros técnicos do crime. Jogar um indivíduo lá dentro que foi flagrado fumando maconha para comer e beber de graças custas do Estado, sendo humilhado e principalmente sem trabalhar, é o mesmo que metaforicamente fazer sua matrícula para a universidade do crime.
O terceiro movimento resultado dessa estratégia da prisão como instrumento principal da segurança Pública e da paz social no Brasil surge quando o indivíduo cumpre sua pena nas condições atuais das penitenciárias, e ganha a chamada liberdade. Os tempos nas prisões não se revelam em profissionalização para os atuais padrões de empregabilidade do mercado de trabalho, mas de novo para o circulo vicioso da humilhação, do preconceito social e criminalização, e do resultado da solidariedade das redes de organizações criminosas que nas entrelinhas comandam as prisões e os subúrbios. E de novo não vai haver construção de nenhum tipo de paz social, mas sim de um novo círculo repetitivo do trabalho errado da Segurança Pública.
Aqui é preciso que haja um amplo debate, pois existem mecanismos muitos mais sofisticados de garantia de Segurança Pública que é incessantemente buscado por qualquer sociedade, e não apenas a prisão com a solução de todos os problemas da questão da Segurança Pública. A paz social que é o principal objetivo de uma sociedade sadia tem que está pautada de fato da constante prevenção e combate à criminalidade, e ações de justiça restaurada (com políticas de indenizações), mediação de conflitos, composição de interesses pela tutela judicial e extrajudicial, priorização das políticas sociais, geração de emprego e renda e diminuição das desigualdades, programas de acessibilidade urbana, revitalização e iluminação pública, garantias de interiorização e maior acesso à justiça podem ser respostas tanto mais acertadas aos desafios da Segurança Pública do que a priorização da resposta repressiva do Estado.
O papel do Estado não pode e não deve ser somente para reprimir, o Estado tem de educar e reformar o criminoso pensando exatamente na paz social. Não pode ser possível que no meio de tantos presos não haja indivíduos aptos para o trabalho! Não se pode pensar apenas no Estado como provedor de agasalhos, alimentos e direitos humanos, e ao mesmo tempo não educar os detentos para assumir também obrigações. Dessa forma penso nisso como uma aberração institucional!
Por Genaldo de Melo
1 comentário
02 de Aug / 2016 às 23h06
Não é bem uma aberração institucional. O sistema de cerceamento da liberdade do indivíduo que comete crimes, é usados por todas as sociedades modernas. No decorre da história já presenciamos sistemas muitos mais desumanos e ineficazes do que o presente sistema carcerário atual. Por certo, necessita de muito aperfeiçoamento, mas já existem iniciativas de educação para detentos, fomento a aprendizado profissional, trabalho interno para remissão da pena. Punir, reprimir e ressocializar, isso é pen