O ambiente universitário esconde um cotidiano de medo e violência para as mulheres. Os agressores quase sempre pertencem ao mesmo círculo das vítimas, são professores ou colegas que cometem assédio, coerção, estupro e desqualificação intelectual em sala de aula ou festas. No universo de 1823 universitários, cerca de 42% das estudantes já sentiram medo de sofrer abuso no ambiente universitário, e 36% deixam de fazer alguma atividade dentro da academia. A maioria, cerca de 73%, já teve conhecimento de algum caso de violação e abuso ocorrido nas instituições acadêmicas.
Os dados são da pesquisa "Violência contra mulher no ambiente universitário", apresentada na semana passada, na Faculdade São Francisco de Juazeiro (FASJ). O levantamento foi feito com universitários de cursos de graduação e pós-graduação de todo o país. A maioria dos entrevistados é de classe média e alta (87%) e estuda em instituições privadas (76%). Realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Instituto Data Popular em 2015, a pesquisa já foi divulgada em 15 universidades do Sudeste e do Nordeste.
Segundo a psicóloga e coordenadora da pesquisa, Mafoane Odara, as denúncias de violência sexual e agressões físicas em universidades recebidas pelo instituto despertaram o interesse da equipe em investigar e entender melhor como ocorriam e quais os tipos de violações nesse ambiente. Consultando especialistas, coletivos feministas e estudantes que vivenciam o cotidiano das universidades, foram classificados seis tipos mais comuns de violência: assédio sexual, coerção, violência sexual, violência física, desqualificação intelectual e agressão moral/psicológica.
A pesquisa evidencia uma cultura de banalização das agressões sofridas. Muitos dos estudantes não reconheceram como violência situações como a exposição do nome e fotos íntimas de mulheres em redes sociais; ou as ofensas e piadas que ridicularizam ou subestimam a capacidade intelectual do aluno.
Confrontados com essas situações de violência, apenas 10% das mulheres relataram espontaneamente ter sofrido algum tipo de agressão. Contudo, ao serem confrontadas com exemplos de violação tipificadas pela pesquisa, o número subiu para 67%. Entre os homens, 2% admitiram espontaneamente que cometeram algum ato de violência contra a mulher na universidade. Ainda assim, 27% dos homens entrevistados não avaliam como tipo de violência situações em que o parceiro tem relações sexuais com uma mulher se ela estiver alcoolizada. Cerca de 35% dos entrevistados também não consideraram como uma violação o ato de repassar fotos ou vídeos de mulheres sem autorização.
Para a psicóloga Odara, a população não associa o ambiente universitário à violência, pois está acostumada a considerar a academia um campo culto e de produção de conhecimento. A comunidade acadêmica muitas vezes não percebe que a violência está dentro das universidades em que estudam e não desenvolve políticas capazes de discutir o problema, garantir o acolhimento das vítimas e a punição dos agressores. Contudo, a maioria dos entrevistados da pesquisa concorda que a universidade deveria tratar do tema durante as aulas. Para 88% dos homens e 95% das mulheres, as universidades devem criar meios de punição aos responsáveis por cometer violência contra mulher na instituição.
Odara ressalta a importância das instituições acadêmicas em realizarem discussões para combater a cultura de violência e opressão às mulheres. "A violência não escolhe classe social, raça ou nível de instrução. Nesses lugares de poder, a violência acontece de um jeito muito mais intenso e a punição é desproporcional. Se não fizermos discussões nesses espaços, continuaremos reproduzindo o processo de violência. É preciso saber qual é o nosso papel e qual é o papel das universidades para quebrar esse ciclo", afirma.
Durante o debate, a estudante de jornalismo e militante do Levante Popular da Juventude, Vanessa Gonzaga, discutiu a importância dos coletivos feministas nos espaços acadêmicos para discutir questões relacionadas a gênero e criar políticas de enfrentamento à violência contra a mulher e os casos de feminicídio. Newton Junior, representante do DCE da FASJ, destacou a importância do apoio dos homens nessa luta, pois podem contribuir para evitar reproduzir atitudes machistas e que desvalorizam a mulher.
Agência de Notícia Multiciência
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