Seminário com o tema "Crise Hídrica: a insegurança continua" aconteceu no dia mundial da água, 22 de março de 2016, no município de Juazeiro - BA, reunindo cerca de 120 participantes, como lideranças comunitárias do meio urbano e rural, instituições públicas, professores, estudantes, representantes de instituições de ensino e de órgão públicos, vereador, agricultores/as, dentre outros/as. O seminário, organizado pelo Irpaa, Articulação Popular São Francisco Vivo, CPT, Comitê das Associações de Massaroca, Movimento Popular de Cidadania, Pastoral do Meio Ambiente, União das Associações do Vale do Salitre e Setaf/SDR retomou a pauta das consequências da crise hídrica, alertando para real situação dos reservatórios e falsa ideia de segurança hídrica diante da má gestão da água.
"Essa situação de água para nós é totalmente insuficiente, não é que vai faltar água, já está faltando água", afirmou Roberto Malvezzi (Gogó), da Articulação Popular São Francisco Vivo, sobre o atual nível do lago do Sobradinho (32% no dia 22/03). Gogó chama atenção que mesmo diante deste cenário de usos múltiplos, a revitalização do Rio não avança e a degradação do Cerrado, que alimenta o Rio São Francisco, só piora esta grave situação. "A insegurança continua não só neste ano", reforça Gogó, lembrado que o processo de degradação do rio é histórica e que "temos uma crise de civilização no jeito que a gente lida com as nossas águas", conclui.
O tema do Saneamento Básico também esteve no debate do Seminário, com a participação do Secretário de Planejamento e Aceleração do Crescimento de Juazeiro, João Pedro Neto, que tratou da importância da participação social na elaboração dos planos municipais do Saneamento básico, citando a lei 11.445/2007, além de apresentar a situação atual do processo de elaboração do plano municipal de saneamento de Juazeiro. "Para que tenhamos controle, a gente tem que participar do plano de saneamento", disse o Secretário, chamando a atenção para que a população participe de todo o processo desde a elaboração até o monitoramento da sua execução, um meio de garantir um Plano municipal condizente com a realidade do povo.
Para Jousivane dos Santos, integrante da comissão organizadora do Seminário e presidente do Comitês das Associações de Massaroca, a universalização do saneamento básico passa também pela dimensão rural, mas ela não vê esta abordagem nas discussões do saneamento, a exemplo do município de Juazeiro. "As comunidades rurais não podem ficar a margem desse plano, é preciso pensar também o saneamento rural, pois nós também produzimos lixo, temos esgotos a céu abeto e, principalmente, temos direito a água tratada", defende.
A conjuntura da água no meio urbano também foi discutida junto aos participantes através das provocações e das informações de João Gnadlinger, colaborador do Irpaa. Na palestra ele apontou a realidade em torno da gestão da água no planeta, no Brasil e no Vale do São Francisco, apontando os usos, as disputas em torno da água, e apresentando as experiências da sociedade civil de como garantir água para as populações e para a natureza. João trouxe como exemplo a distribuição da água em Juazeiro, onde o consumo pela irrigação de uma empresa de cana é quase equivalente a todo o consumo da população de Juazeiro abastecida pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), mas o valor que esta empresa pagou pela água (quase 11 mil reais) em 2014 é inferior ao que o Saae pagou (cerca de 306 mil reais) no mesmo ano. "Se vê que ainda tem que mudar muito...o mundo ainda tem que aprender a usar a irrigação localizada, mudar o sistema de irrigação", argumenta.
Sobre a gestão da água para o Semiárido brasileiro, João destaca as cinco linhas de luta pela água no meio rural, a exemplo das tecnologias sociais, que garantem a descentralização das águas para o povo através das ações de Convivência com o Semiárido, da Articulação no Semiárido Brasileiro. A cidade também precisa adotar isto. "Na Austrália, a cidade toda é um reservatório, é uma bacia, enquanto que no Brasil, nos planos de saneamento básico, tem-se a ideia de que se deve jogar fora a água da chuva, que ela é um problema para a cidade". Ele sugere que é preciso olhar a chuva na cidade com ideia de armazená-la.
Universalização do saneamento básico (cidade e campo), o acesso a informações sobre a água, inclusão das comunidades rurais nestas construções políticas em torno da água, ameaça aos territórios pesqueiros com a implantação de grandes projetos, mobilização social em torno do saneamento, foram algumas das muitas questões levantadas pelos/as participantes do seminário aos palestrantes. "Aqui a gente foi alertada sobre a situação da água, do nosso rio", afirma a presidente da Associação Comunitária de Carnaíba de Dentro, Carmelita Lima da Silva, que reforça que apesar de todas as discussões de acesso a água, as comunidades ainda ficam a margem das ações governamentais no tocante a água tratada.
"Á água e os recursos naturais precisam ser preservados, a gente tem que cuidar do nosso patrimônio que é a água, sem ela a gente não vive", defende a estudante do curso técnico de Meio Ambiente do Cetep, Barbara Leandra da Silva Cavalcanti, que também esteve participando do seminário.
Política Estadual de Convivência com o Semiárido
A questão da água no Semiárido não pode ser vista como externa ao debate da política de Convivência com o Semiárido, como afirma André Rocha, colaborador do Irpaa e integrante da comissão organizadora do seminário. Assim, para discutir a política em nível de estado da Bahia, a Secretaria de Desenvolvimento Rural – SDR, através do Setaf, representado por Ademilson da Rocha (Tiziu), apresentou a construção recente de uma política estadual de Convivência com o Semiárido, que foi encaminhada a Assembleia Legislativa da Bahia. "A ideia da Política é multiplicar as experiências, que estão dando certo, ela precisa acontecer nos 265 municípios do semiárido baiano", pontua Ademilson.
O processo da construção do projeto da lei é resultado de uma luta de movimentos e entidades socais que apontam os caminhos para o Estado implementar políticas públicas de Convivência, lembra Tiziu. "Se não fosse a participação social na construção da política, o projeto final não atenderia as demandas dos povos do semiárido ... essa intervenção é uma lição para o estado", diz ele, acrescentando que esta participação não termina na construção da política, mas no seu monitoramento e fiscalização.
O projeto da Lei da Política Estadual de Convivência com Semiárido foi criado a partir de um comitê governamental e lançado para consulta pública em 2014, resultando no documento que foi apresentado ao Governador Rui Costa, que o encaminhou para a apreciação da Assembleia Legislativa do Estado, restando agora a definição do relator que irá tramitar o projeto a ser votado pelos/as deputados/as. A expectativa é que todo o projeto com seus princípios e objetivos sejam aprovados na íntegra, prevalecendo os interesses dos povos do Semiárido, beneficiários das políticas.
IRPAA
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