Mikaelle Farias-Diretora regional da Palmares lab, graduanda em engenharia de energias renováveis pela Universidade Federal da Paraíba, e ativista e atua em movimentos nacionais e internacionais pela justiça climática, avalia que o Nordeste Brasileiro: A Região esquecida no centro do debate climático. Confira:
Precisamos parar com a síndrome de que sabemos de tudo e voltar do início.
O Nordeste brasileiro é uma dessas regiões que, durante séculos, sua população enfrentou e enfrenta as consequências de um processo violento de colonização e as adversidades impostas pelas mudanças do clima. O que gerou um estereótipo nacional do nosso território. Mas sua resiliência e capacidade de reinvenção permanecem subvalorizadas no cenário político e de debates internacionais.
Fomos a primeira região a ser invadida pelos colonizadores, e as riquezas de nossas terras foram anunciadas para o mundo, onde tivemos nossa região explorada e as populações marginalizadas. Os impactos dessa dinâmica ressoam até hoje. A monocultura da cana-de-açúcar devastou áreas gigantescas, enquanto a extração de pau-brasil e outros recursos naturais e o mau uso de terras esgotaram a biodiversidade local.
O que levou, nos últimos 150 anos, à migração de milhões de nordestinos para o norte e sudeste em busca de condições de vida mais dignas e de sobrevivência, depois das grandes extrações de nossos recursos e as consequências da Grande Seca de 1877-1879, que ocorreram principalmente no período marcado por eventos climáticos extremos, onde houve o primeiro grande êxodo que causou a morte de milhares de pessoas na região.
Enquanto o mundo discute o desmatamento e as estratégias de preservação das florestas tropicais, pouco é dito sobre as lições que o semiárido nordestino pode oferecer em termos de adaptação climática ao Brasil. O bioma Caatinga – único no mundo – e as tecnologias sociais desenvolvidas por nossas comunidades são exemplos de como se reinventar depois de tantos impactos. Mas, ainda assim, continuamos sendo um “eco vazio” no debate climático nacional e internacional.
Há séculos, o Nordeste coloca em prática a adaptação climática. Em 1990, foi o ponto de mudanças no nosso território, quando os movimentos sociais e comunidades de agricultores deixaram para trás a ideia de “combater a seca”, que guiava as políticas públicas desde o Brasil Império, e passaram a apostar no conceito de “conviver com o semiárido”. Isso significa entender que a seca não faz parte apenas de um processo cíclico, mas que também se tornaria mais frequente e intensa com as mudanças do clima. Não é uma força que podemos combater, pelo seu avanço precoce, mas seria algo para o qual poderíamos buscar formas de nos adaptar, enfrentando as adversidades que não foram criadas por nós, mas que desafiam nossa sobrevivência.
A realidade é que o Brasil precisa reconhecer nossos corpos como respostas vivas à crise climática. Somos um verdadeiro laboratório de inovação e resistência. Incluir o Nordeste é também uma questão de justiça social e histórica. As comunidades que não migraram e até hoje resistem aqui pagaram um preço alto pelas desigualdades estruturais e pela falta de investimento político, e, por muito tempo, tiveram que se reinventar para sobreviver. Agora, também precisam estar no centro das discussões e decisões sobre o presente e o futuro do clima.
Precisamos romper o silêncio e trazer essa pauta para o centro das negociações climáticas. A COP30, que será realizada no Brasil, é uma oportunidade única para amplificar as vozes dessa região e mostrar ao mundo que o Nordeste brasileiro não é apenas uma região que sofre, mas também um exemplo de resistência e soluções climáticas. O Nordeste não pede socorro, ele oferece respostas.
Agencia Eco jornalismo ambiental Foto Foto ilustrativa
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