A música brasileira é riquissima. Jackson do Pandeiro, cujo nascimento foi em 1919, e ser tornou em vida o Rei do Ritmo criticava a influência estrangeira na música brasileira. Ele cantou em “Chiclete com Banana”, nos idos 1959, e diziia que só iria misturar Miami com Copacabana depois que o Tio Sam tocasse um tamborim. Ele não chegou a tocar o instrumento, mas na voz de Bob Dylan, cantou o tambourine, um falso cognato do tamborim e que significa justamente pandeiro.
Uma coincidência? De acordo com o escritor, poeta, compositor e músico paraibano radicado no Rio de Janeiro, Bráulio Tavares, não foi um acaso: a música “Mr. Tambourine Man” de Bob Dylan, que em tradução livre seria algo como “senhor do pandeiro”, foi inspirada em Jackson do Pandeiro.
Conta o escritor Bráulio Tavares que um dia, em 1964, o cantor norte-americano de folk visitou o Brasil em busca de inspiração nas músicas de raiz da América Latina e, por indicação da gravadora, foi ao Rio de Janeiro. Na capital fluminense, passando pela feira de São Cristovão, reduto da cultura nordestina, se deparou com um senhor negro, com um chapéu de feltro, tocando um pandeiro magistralmente.
“Lá eles começaram a beber cachaça e Jackson tocando pandeiro, e eles lá, e o pessoal dizendo: ‘Dylan, seu avião vai sair às 9h’ e ele falando ‘não, eu vou ficar aqui porque tá legal demais’, e o dia amanhecendo, depois pegaram um carro e foram bater na praia. Ele pegou o avião e voltou para os Estados Unidos. Ficou com aquela história toda na cabeça, deslumbrado e daí veio a inspiração “hey, mister tambourine man, play a song for me”, que é algo como ‘ei, seu do pandeiro, toque uma música pra mim”, relata o escritor.
Essa é a história é relembrada apelo Jornalista Andre Resende: Bráulio Tavares, paraibano de Campina Grande e pesquisador tanto de Jackson do Pandeiro quanto de Bob Dylan contava antes de tocava sua versão de “Mr. Tambourine Man” no violão, em apresentações ao vivo. A interpretação feita com seriedade e a descrição minuciosa do encontro envernizou de realidade o conto oral declamado por Bráulio Tavares.
Existem controvérsias o encontro foi real. Embora Bráulio Tavares afirme categoricamente que isso nunca aconteceu e que adotou essa versão da história “porque assinou um contrato para não revelar a verdade”. Por outro lado, o cineasta Walter Carvalho, outro grande admirador do músico americano, garante ao G1 ter material filmado de época, provando que os dois se conheceram e cantaram juntos na feira de São Cristovão.
A versão da música de Bob Dylan foi escrita entre os anos de 1977 e 1978, quando Bráulio Tavares já conhecia muito da obra do cantor folk e muito mais ainda de Jackson do Pandeiro. O paraibano relata que cresceu ouvindo o “rei do ritmo” na rádio em Campina Grande. A admiração por Dylan só viria depois, quando mais velho, em 1967, por influência dos amigos da adolescência.
“Em 1977, pra 1978, eu comecei a fazer uma versão de ‘Mr. Tambourine Man’. Já ouvia muito Dylan. Aliás, eu fiz muitas outras versões, essa foi uma delas, mas eu mantive o título original. Como tambourine em inglês significa pandeiro, não é tamborim. Coloquei mister do pandeiro, aí eu disse ‘pronto, é Jackson do Pandeiro que ele tá falando nessa música’. Foi dessa adaptação que veio essa história de que Bob Dylan teria vindo ao Brasil”, explica.
A versão de Mr. Tambourine Man de Bráulio Tavares foi cantada pelo também paraibano Zé Ramalho no disco “Zé Ramalho canta Bob Dylan - Tá Tudo Mudando”. O escritor destaca que todas essas versões cantadas por Zé foram autorizadas e portanto chanceladas pelos representantes de Bob Dylan. “Se não for um versão autorizada, Zé Ramalho não grava”, comenta.
A música cantada por Zé tem pequenas mudanças em relação à versão original de Bráulio Tavares. Ele explica que o cantor paraibano pediu a autorização para usar a versão e que é natural que o cantor faça adaptações na letra, sem que se perca o sentido, para soar melhor na própria voz.
"Bob Dylan tem uma coisa do canto falado, que aproxima ele um pouco do coco de embolada nordestino, onde Jackson bebeu muito, até porque o coco de embolada é feito ao som do pandeiro. O sujeito canta e ao mesmo tempo está batendo outro ritmo no pandeiro, quando ele tem um domínio total do instrumento", avaliou Bráulio Tavares
Para o compositor e escritor, Jackson fazia com o pandeiro o que João Gilberto fazia com o violão. João tocava um ritmo no violão e cantava outro. Dylan fazia um pouco disso também. "Ele tinha uma coisa de tocar uma base no violão e cantar como se estivesse falando. Na intenção melódica, ele adianta, ele retarda, não exatamente como João Gilberto, mas é a mesma filosofia", comentou.
O debate em torno da veracidade do encontro é menor diante da riqueza artística do que foi criado a partir do legado deixado por Jackson do Pandeiro. Pelas mãos da confraria paraibana radicada no Rio de Janeiro, Jackson virou arte.
A letra de Bráulio Tavares e a história a partir dela são reflexo natural e límpido da importância do ritmista no imaginário da música nacional. É impossível pensar em pandeiro e não lembrar de Jackson. Um nome que, apesar de adaptado do ator Jack Perry dos filmes norte-americanos de faroeste, carrega a marca da Paraíba e o peso da cultura nordestina.
Por mais crítico que tenha sido aos ritmos tocados no Brasil inspirados “no estrangeiro”, Jackson do Pandeiro dificilmente imaginou que teria o nome dele tão associado às referências internacionais. E o que parecia ser um manifesto, em “Chiclete com Banana” (composição de Gordurinha e Almira Castilho), se tornou um prognóstico: o Tio Sam não pegou no pandeiro e no zabumba, mas o suposto encontro de Jackson com Bob Dylan materializou o encontro do pandeiro e violão que a profética canção ironizou.
Assim ouvi e aqui reproduzo.
Texto: Jornalista Ney Vital-colaborador da REDEGN
Foto arquivo acervo lps Ney Vital
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