Artigo: “É censura? Violência cultural e liberdade de expressão no Brasil do século 21”

O título da coluna deste mês está entre aspas pois é o título também do livro que lançamos no nosso grupo de pesquisa, o Observatório de Censura, Comunicação e Liberdade de Expressão (Obcom) para demarcar as recentes discussões sobre este tema tão polêmico e necessário.

Não só os integrantes do grupo colaboraram, mas também convidados, com temas como cancelamento digital, capítulo de Issaaf Karhawi, e liberdade de expressão regressiva e censura por inundação como estratégias de desinformação, de Vitor Blotta e Tatiana Stroppa.

No capítulo “O acidentado percurso de um conceito: da censura clássica à censura contemporânea no Brasil”, Carla de Araujo Risso, vice-coordenadora do grupo e fundadora do Obcom, divide a autoria com outra referência nacional sobre o tema, a professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Belo Horizonte, Nara Lya Cabral Scabin. Episódios recentes e que mobilizaram intensas discussões (e cancelamentos) na internet, como o caso da fotografia de Gabriela Biló, que foi capa do jornal Folha de S. Paulo logo no início do mandato e após os atos golpistas de janeiro, em 13 de janeiro de 2023, também são discutidos, como “O presidente Lula nas lentes de Gabriela Biló: fotojornalismo, subjetividade e liberdade de expressão”, de José Ismar Petrola Jorge Filho e Rodrigo de Santana Gonçalves.

Ativismo digital e jornalismo também são objetos de interesse no decorrer do livro. Vitória P. Baldin, em “Cerceamento da liberdade de expressão e ativismo digital”, argumenta que, apesar de movimentos sociais terem se organizado digitalmente, no início do século, o ato contínuo é de coibir estes movimentos com “novas perspectivas de dominação e cerceamento de liberdade de expressão”.

Em outra direção, as implementações para a prevenção de ataques a jornalistas nas plataformas nunca foram postas em prática devidamente, ocasionando um uso fácil das redes que expressa a violência cultural introjetada na sociedade brasileira, tema que discuto no capítulo “Violência cultural contra jornalistas e comunicadores e censura da multidão”. E, em tempos de atentados terroristas contra o Estado de direito, amplamente divulgados nas plataformas, mas tramados fora dos holofotes, Filipe Vilicic indaga como jornalistas não têm treinamento adequado para apurarem informações que se encontram abaixo do radar da superfície da web, no capítulo “Como apurar para além da superficialidade das redes”.

A professora Mayra Rodrigues, que trabalhou no Obcom com o arquivo das peças teatrais de Miroel Silveira, censuradas na ditadura militar, assina o prefácio. E não poderíamos deixar de fora um importante sintoma da ojeriza enraizada culturalmente no Brasil contra a liberdade da expressão – a contínua e sistemática censura à liberdade artística. Rodrigo de Santana Gonçalves amarra esses nós no texto “Censura às artes visuais no Brasil do século 21: pressões no passado, (re)pressões no presente”.

Justamente pelos crescentes casos de uso da censura como plataforma de amplificação do extremismo político, como o do livro O avesso da pele, de Jeferson Tenório, na continuidade do lançamento do livro (teremos um seminário on-line transmitido pelo YouTube no dia 5 de dezembro, 18h30-20h30) vimos a necessidade de acompanhar de maneira mais contínua os não tão divulgados episódios de cerceamento da liberdade artística.

Felizmente, também existem grupos organizados com o mesmo objetivo, como o veículo jornalístico cultural Nonada, com sede em Porto Alegre, que mantém e atualiza, apurando denúncias no Observatório de Censura à Arte, que elenca ocorrências em todo o território nacional. Vemos que nas cidades menores as próprias prefeituras são agentes censórios, reinstitucionalizando, de maneira informal, uma espécie de censura prévia, especialmente com foco em temas LGBTQIAPQ+, gênero e sexualidade, racismo, mas não só.

Em um projeto com apoio da Funarte para a retomada cultural do Rio Grande do Sul após a quase destruição do Estado pelas enchentes em maio deste ano, o Nonada também está promovendo uma pesquisa que circula desde 21 de novembro, que apoiamos e divulgamos aqui: Panorama da liberdade artística no Brasil: percepções sobre a censura. Se você sabe de algum caso, ou conhece artistas e grupos artísticos que passaram por isso, divulgue o formulário. Os resultados serão compilados em um e-book com lançamento previsto para março de 2025.

Daniela Osvald Ramos, professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP