Artigo - Saudade: Quando o passado habita o meu presente

Nas idas e vindas, no percurso Bahia, Pernambuco e Piauí, costumo escutar diálogos interessantes que refletem conexões profundas nas vivências das pessoas.

Dessas conversas, a saudade é o tema mais discutido entre os viajantes. Sentir falta de um ser querido, de uma fase da vida, de um lugar marcante, uma experiência trazida na memória, objetos simbólicos são expressões caracterizadas pela mistura complexa de tristeza, nostalgia e sentimento de amor.

Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, saudade vem do latim "solitatem" ou "solitate", que significa solidão, desamparo ou recolhimento. Semanticamente essa palavra passou por muitas mudanças ao longo da História. O termo saudade carrega um valor cultural expressivo e demanda discernimento ao estudá-lo.

Nessa análise detalhada, observa-se que a fonética também sofreu transformação significativa até chegar ao idioma português com conceituação de sentimento de reminiscência causado pela ausência de algo, de alguém, de um lugar ou pela vontade de reviver experiências preciosas, situações impressionantes ou momentos incríveis já passados. Essa é a nossa querida lembrança!

É a boa lembrança que, na maioria das vezes, carrega um grau de melancolia. O sentimento de dor da ausência é peculiar a cada ser. Sentimos saudade de quê? De Deus? Dos heróis da fé? Da família? Da paz? Do bichinho de estimação? Da nossa casa? Do carro? Do banco da praça? Da escola? Do clima? Qual a razão desse teu anseio?

Temos diversos motivos para sentir saudade. Sentimos desassossego por coisas marcantes da vida que até hoje não esquecemos por ter sido extraordinário. Na verdade, estamos aprendendo a conviver com essa profunda solidão que é companheira da recordação.  

A saudade mais cruel é a de si mesmo, pois é a mais penosa. Tentar se encontrar, perceber-se diante de um emaranhado de incertezas, é um grande desafio à existência humana. Tudo isso por causa da dificuldade que temos de enxergar os nossos erros. Estamos querendo entender o porquê do que estou vivendo hoje.

O desafio é encontrar um professor capaz de ensinar integralmente como resolver esse questionamento tão simples, porém intrigante. As resoluções brotam de dentro para fora. E não de fora para dentro. O ser ‘pessoa’ é o seu maior protagonista e responsável pelas escolhas no seu dia a dia.

Entretanto, estamos acostumados a buscar “salvadores da nossa pátria” para tomarem as nossas decisões mais íntimas. Esses libertadores denominados ‘coaches’ estão na moda. Hoje temos “coach” para tudo nessa vida. Coach de vida, coach de carreira, coach executivo, coach financeiro, coach para relacionamento, coach de performance, coach de emagrecimento, coach de inteligência emocional, coach de empreendedorismo, coach espiritual, coach de gestão do tempo e assim por diante.

- Olá, boa tarde, doutor ‘Resolve Tudo’! Posso contar com o senhor nessa minha frágil jornada?

- Boa tarde, querida paciente Fragildice! Fique à vontade. Por gentileza, sente-se aqui e beba essa água.

- Veja bem, doutor ‘Resolve’, estou com muitos desafios na minha vida, porém não sei enfrentar essa realidade. Também tenho dificuldades em abrir meu coração confiantemente. São muitas indagações para uma pobre mulher responder.

- Calma, respire fundo, Fragildice. Vamos começar com as coisas mais simples da trajetória. À medida que formos respondendo às perguntas da vida passaremos para o desafio seguinte. Por gentileza, conte-me o que se passa desde o início.

- Pois lá vai! Recentemente, tenho sentido um profundo vazio existencial e com ele três questões desafiadoras à minha vida. De onde vim? O que estou fazendo aqui na Terra? E para onde vou depois daqui?

- Agora você pegou pesado querida amiga, mas vou tentar responder conforme os meus rasos conhecimentos sobre. Certo?

- Agradeço imensamente, querido doutor ‘Resolve Tudo’, por sua sapiência e gentileza de sempre.

- Veja bem, querida Fragildice. A nossa origem, o nosso propósito de vida e o nosso destino permeiam explicações que envolvem a evolução, religiões e filosofias que apontam para uma origem divina ou universal. O propósito da vida pode ser o desenvolvimento espiritual, o impacto positivo ou o autoconhecimento, conforme diferentes perspectivas. No que diz respeito ao destino final da humanidade, religiões defendem a vida após a morte, enquanto visões materialistas consideram a morte o fim de tudo. Cada pessoa busca suas próprias respostas para dar sentido à existência.

- Arrasou! Muito agradecida, doutor!

Diante desse diálogo, que não envolve diretamente um saudosismo, é perceptível que temos uma certa necessidade de que respondam as nossas maiores dúvidas. Quem não queria um aplicativo que respondesse verdadeiramente as questões inerentes a cada ser humano com sua limitada visão da vida?

Quer um conselho de amigo? Bom mesmo é falar de saudade boa. Aquela que enfatiza momentos bons da nossa vida. É por essa causa que o nosso querido Manuel Bandeira expressa a ideia de que “saudade só se tem do que é bom”.

Essa frase é capaz de definir lágrima interna de forma simples e direta complementando que a "saudade é ser, depois de ter’ conforme Guimarães Rosa. Depois dessa experiência, na visão de Rubem Alves “a saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.”

O desespero da ausência tem o poder de nos dominar. Ela chega e diz: eu sou a saudade. Não tem grande e nem pequeno. Todas as classes são vulneráveis à profunda vontade de voltar no tempo.

É nesse pensamento que a escritora Cecília Meireles explora o amor distante com sutileza e profundidade, questionando a ambivalência do sentimento e o desejo por momentos passados: “Em matéria de saudade, é preciso indagar sempre se é a saudade que se tem ou a saudade que se quer ter.”

Será que estou deixando saudade nos ambientes por onde passo? Alguém vai lembrar de mim com ternura?

É por isso, que vale a pena refletir o que diz Mário Quintana “a saudade é o que faz as coisas pararem no tempo.” Aquilo que valha a pena ser vivido, ser pensado e repensado. Seguir a dica de Peninha que a “saudade é melhor do que caminhar vazio”.

Imagine aquela solidão proporcionada por pensar no ser amado? Está com saudade da pessoa amada? Quer um pequeno conforto poético? Que tal Fernando Manoel Correia (Nando Cordel) e José Domingos de Moraes (Dominguinhos)?

“Tô com saudade de tu, meu desejo
Tô com saudade do beijo e do mel
Do teu olhar carinhoso
Do teu abraço gostoso
De passear no teu céu
É tão difícil ficar sem você
O teu amor é gostoso demais.”

É nesse clima de falta, seja nos relacionamentos amorosos ou não, que percebemos o lado bom desse vazio. “Saudade: presença dos ausentes”. Assim nos lembrou Olavo Bilac. É a partir dessa definição que  Bob Marley cantou na música "Pass it On": “não viva para que a sua presença seja notada, mas para que a sua falta seja sentida.”

É com essa ideia que se defende que “quem tem um amigo, mesmo que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão. Poderá morrer de saudades, mas não estará só.” Segundo Amyr Klink no livro ‘Cem dias entre céu e mar’.

Portanto, meus amigos e minhas amigas, tudo passa, inclusive nós. A dor da saudade, com o tempo, se transforma em uma lembrança suave que nos ensina a valorizar o que foi vivido e a aproveitar o tempo de qualidade com aqueles que amamos e que nos amam. Confie no poder do amor contido na saudade. Não se esqueça de que a saudade é um presente da vida, que nos prepara para o que virá.

Josiel Bezerra - Professor de Biologia