Artigo: A tragédia com o Césio-137 alerta para os riscos da expansão de usinas nucleares no Brasil

Os efeitos da radiação gerados pelo trágico 13 de setembro/1987 ainda atormentam

Em 1987 – ano fatídico do acidente com o Césio-137, aqui em Goiânia, uma das piores tragédias atômicas mundiais ocorridas no meio urbano – eu tinha 29 anos. Como um dos eventos mais trágicos da história, devido aos impactos à saúde humana e ao meio ambiente local, o dia 13 de setembro está marcado em nossa memória como a infeliz data que mergulhou nossa existência num surpreendente e profundo pesadelo.

Hoje com 66 anos percebo que mais da metade da minha vida passei sofrendo os reflexos daquela fatalidade que dividiu a vida dos atingidos pela radioatividade do césio-l37 em antes e depois do acidente. Estive mergulhada nesta realidade trágica e continuo até hoje representando as vitimas do Césio-137. Aquele dia, que nos dividiu em grupos distintos, de acordo a como fomos atingidos pela radiação, o que dificultou nossa luta junto ao poder público para melhor enfrentar o sofrimento da discriminação e da falta de assistência que persiste desde o acidente.

Somos 3 grupos. O Grupo-1, pessoas com exposição superior a 50 rads, (unidade que mede a quantidade de radiação identificada). Sou do Grupo-2 (pessoas cuja exposição foi inferior a 50 rads), hoje com 116 pessoas, 46 homens e 70 mulheres. Grupo-3 (polícia militar, civil, bombeiros, etc. que trabalharam após o acidente). Acompanho essa história desde o início e sigo dedicada a acompanhar as pessoas que foram atingidas pelo césio, cuidando delas como podemos.

Hoje estamos numa situação muito crítica. As vítimas mulheres estão passando necessidades, por diversos problemas de saúde. Nossa, vejo a D. Eunice, D. Lourdes, D. Luisa Odete, mais idosas, doentes, porque não temos ajuda do governo, que só nos garante os médicos. Eles são muito bons. Mas, assim, eles só fazem a parte deles. Os remédios eles dizem não ter como fazer nada e nós temos que comprar do nosso bolso. É igual os médicos do SUS. A gente vai lá faz a consulta, os exames, mas não tem os remédios. Então nossa situação em termos de um acompanhamento legal da nossa saúde é desesperadora.
 
Agente vai resistindo, buscando forças para superar tanto descaso. Vamos nos médicos, fazemos consultas, sempre tentando prevenir. Afinal não sabemos o dia de amanhã, pode aparecer um câncer o que certamente vai agravar nossa situação. Já temos várias pessoas diagnosticadas e em tratamento de câncer só do nosso grupo. Então a situação é esta. As mulheres vão ficando mais idosas, mais doentes e os médicos afirmam que o dinheiro que eles ganham não dá pra nos fornecer os remédios. Então é um descaso, uma discriminação muito grande com nós, vitimados pelo césio.

A questão da saúde bucal então é desastrosa e preocupante para nós. Sabemos como é importante cuidarmos de nossos dentes já que a nossa boca é um meio de transmissão de doenças. O atendimento por dentista, que já era precário, foi suspenso desde antes da pandemia. Alegam que não tem equipamentos, aparelhagem para o atendimento.

A ajuda em dinheiro paga pelo governo do Estado de Goiás, é R$940,00, menos que o salário mínimo. E o pior é que este valor está há sete anos, sem nem um reajuste. A gente luta pelo reajuste, vai atrás, mas sempre recebendo a resposta que não tem previsão de reajuste pra nós. Não sabemos mais o que fazer diante deste desafio para melhorar a pensão paga pelo governo estadual a cerca de 750 pessoas contaminadas.

Então para nós, é doloso saber o que passamos, o sofrimento de nossos filhos, nossos netos e temos que fazer malabarismo pra viver com este “salário dimuto”, quero dizer – menor que o mínimo vigente. So temos o acompanhamento médico eles mesmos nem sabem de nossa condição de saúde, porque muita gente faz exames fora e nem fala com eles porque notamos muito pouco interesse em saber de nossa situação. Estão lá pra ganhar o deles. O que diminui um pouco nosso drama é o salário mínimo pago pelo governo federal, apesar de pouco e ainda ser grande parte dele gasta em remédios.

Mas quero aqui registrar que também tem gente que nos ajuda, os policiais, o pessoal do Grupo-3. Mas no geral se falamos das autoridades governamentais, nos sentimos mesmo desassistidas. E como em todas as épocas de campanha, só lembram da gente pra pedir voto. E estamos cansados das promessas não cumpridas de candidatas e candidatos que nos procuram a cada eleição, que somem na hora que a gente precisa de ajuda. Finalizando quero dizer que a AVCésio faz parte da Articulação Antinuclear Brasileira e nos preocupa muito a tentativa da indústria nuclear impor ao governo brasileiro a conclusão da obra de Angra 3, o que só vai aumentar os riscos de contaminação e acidentes que já enfrentamos com a insegurança do programa nuclear brasileiro.

Suely Lina Moraes Silva - presidenta da Associação das Vítimas do Césio (AVCésio)

 

Foto: arquivo/AVCésio