O Governo Brasileiro não renovará um acordo assinado há 5 anos com a ACTP, sigla em Inglês da Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados de Extinção. A medida não interromperia a reintrodução da ararinha-azul na Caatinga, mas pode ter outros impactos socioambientais.
“Foi uma decisão colegiada com MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)”, diz o presidente do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Mauro Pires.
A parceria firmada em 7 junho de 2019 viabilizou a reintrodução de aves transferidas da Alemanha em unidades de conservação na Caatinga, onde a espécie (Cyanopsitta spixii) estava extinta desde os anos 2000, por tráfico e destruição ambiental. Parte das 20 aves soltas em 2022 foi alvo de predadores. Nos anos seguintes não houve solturas.
“A reintrodução da ave no Brasil pode atrasar um pouco, mas os animais em outros criadouros são suficientes para manter o programa de conservação da espécie”, avalia o diretor de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio, Marcelo Marcelino de Oliveira.
As 315 ararinhas-azuis reconhecidas pela autarquia estão nos zoológicos privados Pairi Daiza (22), na Bélgica, e Greens Zoological, Rescue and Rehabilitation Centre (26), na Índia, no Zoológico de São Paulo (27), concedido à iniciativa privada em 2021, num criadouro mantido por ACTP e ICMBio na baiana Curaçá (40) e na própria ACTP (200), em Rüdersdorf, a 30 km da capital alemã Berlim.
“A ACTP abriga uma população atual de 267 araras-azuis e uma prole anual de 60 aves, podendo sustentar uma população crescente e fornecer 20 aves anualmente para soltura no Brasil”, revela o presidente da entidade alemã, Martin Guth.
Doutor em Ciências Biológicas e curador das Coleções Ornitológicas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), Luís Fábio Silveira avalia que atrasos no cronograma de solturas da espécie podem ser compensados ao longo do tempo.
“É muito importante destacar que aves [reintroduzidas] já procriaram na natureza, o que aponta para um sucesso da reintrodução da ararinha-azul no médio prazo”, ressalta o também presidente da conservacionista Fundação Lymington. Filhotes de aves livres nasceram em outubro passado.
Martin Guth (ACTP) comentou que o fim do acordo com o Governo Brasileiro fará o criadouro de aves ameaçadas traçar novas ações com a ararinha-azul. “Fique tranquilo, nossa dedicação ao bem-estar e conservação da ararinha-azul permanece inabalável”, assegura.
O fim da parceria formal não extingue outras formas de apoio à conservação da ave. “Nada impede que a ACTP continue com seu trabalho de reprodução e de transferência de aves para reintrodução, algo de total interesse do Governo Brasileiro”, acrescenta Marcelino de Oliveira, do ICMBio.
A reportagem apurou que a transferência de 4 araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari) e de 26 ararinhas-azuis da ACTP ao indiano Greens Zoological, Rescue and Rehabilitation Centre, em fevereiro do ano passado, foi um dos estopins para encerramento do contrato.
“A decisão do ICMBio é acertada pois existem fatos consumados que fogem ao previamente acordado com o governo brasileiro e que, se não devidamente sanados, podem ameaçar o programa de conservação da espécie”, diz o doutor em Ciências Biológicas Luís Fábio Silveira, da USP.
“Até agora, a ACTP não explicou de forma satisfatória a realocação das 30 aves à instituição indiana”, agrega Marcelo Marcelino de Oliveira, diretor de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio. O órgão afirmou à época que não foi informado previamente do repasse.
A Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, a Cites, regula negócios e transferências de espécies sob risco de sumir do planeta. O Brasil segue suas regras desde 1975.
Nota do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave) do ICMBio a ((o))eco reforça que a Cites pede que toda movimentação internacional de ararinhas-azuis seja licenciada pelas autoridades da Convenção nos países de origem e destino que aderiram ao acordo.
Já Martin Guth, da ACTP, reitera que a realocação de aves à Índia foi informada e reconhecida pelo ICMBio no final de 2022 e se deve à lotação do criadouro na Alemanha, o que exigiria “investimentos em pessoal e expansão das instalações” para melhor acolher os emplumados.
“Isso nos permitirá gerenciar o crescimento da população de araras em cativeiro e continuar a fornecer aves anualmente para soltura no Brasil. A realocação das aves é uma atividade administrativa e operacional da ACTP, e a propriedade e o manejo das aves permanecem sob nossa jurisdição”, diz.
O Cemave ponderou à reportagem que todas as ararinhas em criadouros descendem de indivíduos retirados do Brasil, “ainda que sejam nascidas em cativeiro”, e que essas instituições deveriam ser parceiras dos programas de governo para somar esforços à conservação da espécie.
“Não é interessante haver exemplares de espécies ameaçadas em cativeiro que não participem do programa de manejo ex situ [fora da natureza], quando este é necessário para a conservação da espécie. Normas ambientais que atendem ao interesse público sobrepõem-se às normas do direito privado brasileiro e estrangeiro”, detalha. Mas há outras frentes de pressão.
Em documentos apresentados pela ACTP à Cites, a transferência das aves à Índia não seria comercial, mas reverteria recursos à sua conservação. “A seção 5.4 do acordo com o ICMBio permite que a ACTP busque parceiros e apoio financeiro para o projeto de reintrodução da ararinha-azul”, afirma.
Uma proposta para liberar o comércio global de ararinhas-azuis e da arara-de-lear foi reprovada em reunião da Convenção em novembro passado, na Suíça, pois outros países endossaram a posição do Governo Brasileiro de que isso traria um “potencial dano, de difícil reversão para a própria conservação dessas espécies”.
“O Estado Brasileiro declarou que é terminantemente contrário ao comércio de ararinhas-azuis e araras-azuis-de-lear, dentro ou fora dos programas de conservação, mesmo sob o argumento da necessidade de custear ações para programas de conservação dessas”, destaca o Cemave.
Co-líder de Dados, Pesquisa e Suporte à Fiscalização da Traffic, ong atuando globalmente contra o tráfico e para regular o comércio de vida selvagem, Paola Reidl diz que no momento não há comerciantes de ararinhas-azuis registrados na Alemanha pela Cites.
“Enquanto uma instalação não é registrada, não poderá exportar espécimes para fins comerciais, como no caso das ararinhas-azuis para fora da União Europeia. Se um criadouro exportar espécimes comprovando que serão usados para fins não comerciais, esse registro não será necessário”, conta.
Parceira de ações da ACTP no Brasil, a BlueSky avalia que o fim do acordo com o ICMBio pode ameaçar a reintrodução da ave e prejudicar o trabalho da entidade para recuperar regiões onde vive a ararinha-azul e gerar alternativas de renda para populações locais. Outras organizações públicas e privadas atuam na área de ocorrência da ararinha-azul.
“A BlueSky não depende de recursos da ACTP. O projeto de restauração é financiado por investidores parceiros da ACTP. Nós temos um contrato para prestar apoio administrativo à manutenção do Centro da ACTP, que [ajuda] na reintrodução da ararinha-azul”, ressalta o presidente da empresa, Ugo Vercillo.
A BlueSky afirma que começou a restaurar a vegetação natural em 2023, com 307 ha, apoiando 28 famílias e empregando diretamente 102 pessoas. Sua expectativa é ampliar o projeto para até 24 mil ha, favorecendo mais de 400 famílias numa região muito pobre.
Artigos publicados por Vercillo e outros pesquisadores apontam que a conservação da espécie no longo prazo depende de ao menos 15 mil ha de Caatinga conservada e de uma população mínima de 700 aves na natureza. “Estamos muito distantes dessa meta”, diz.
A interrupção do acordo poderia levar até à extinção dos animais que foram reintroduzidos, pois grupos maiores vivendo livres são mais atentos a predadores. “Seria uma nova tragédia para a espécie e as organizações envolvidas”, ressalta Vercillo, servidor federal licenciado desde novembro de 2021.
Criada em 2022, em Curaçá (BA), a empresa busca obter créditos de carbono pela restauração de matas em fazendas parceiras. Seus proprietários são remunerados pela área cedida ao replantio e apoiados para adotarem práticas produtivas menos danosas aos ambientes naturais, como criar bodes em cercados para que não devorem a vegetação natural.
Em nota a ((o))eco, a BlueSky defende que organizações privadas e públicas atuem pelo “interesse comum” que é a reintrodução da ararinha-azul e a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais, “independente de haver ou não um acordo de cooperação técnica entre as partes”.
Para a entidade, se a ararinha-azul puder voltar à natureza sem a atuação conjunta de ACTP e ICMBio, o acordo não precisa ser renovado. “Mas o poder público não é capaz de cuidar sozinho da preservação do meio ambiente. O Estado deve focar seus recursos nas suas ações exclusivas, nas ações que estejam desassistidas e apoiar as entidades que trabalham pelo bem comum”, ressalta.
Coronel da Polícia Militar de São Paulo e presidente do ICMBio quando o acordo com a ACTP foi firmado, em 2019, Homero Cerqueira conta que o acordo com a entidade alemã era costurado desde 2009 e foi alinhado até sua assinatura com o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, com outros órgãos federais, com o parlamento federal e o governo da Bahia.
“Foi uma oportunidade única para recuperar uma espécie brasileira, logo antes do mundo se fechar devido à pandemia de Covid-19. Um mal maior seria não trazer as ararinhas-azuis ao país”, destaca. As primeiras ararinhas-azuis desde a ACTP chegaram ao Brasil em março de 2020, pouco antes das Nações Unidas admitirem a pandemia.
Para o ex-dirigente federal, são necessárias mais políticas comunitárias para geração de emprego e renda, fiscalização e investigação fortes para que a espécie não volte a ser traficada, e construir condições para repatriar as aves comprovadamente brasileiras mantidas em criadouros no Exterior.
“As ararinhas-azuis em criadouros na Europa e outras regiões descendem de aves que saíram do Brasil de forma ilegal [traficadas]”, reconhece Cerqueira. “Elas poderiam voltar ao Brasil de forma legalizada. O governo deveria fazer esse esforço”, conclui.
O Eco Jornalismo Ambiental
1 comentário
05 de Sep / 2024 às 16h25
Aí galera de Curaçá,Faz o L