Novo livro de João Carlos Salles reflete sobre desacordos profundos e divergências culturais

Gatos, peixes e elefantes – a gramática dos acordos profundos, 17º livro de João Carlos Salles, será lançado em Salvador em 30 de julho, uma terça-feira, das 17h às 20h, no Museu de Arte Contemporânea da Bahia.

Filósofo, professor da UFBA e seu reitor por dois mandatos (2014-2022), Salles inspirou-se num trecho de uma carta de Wittgenstein ao economista italiano Piero Sraffa para escolher o provocativo título de sua mais recente publicação, editada pela Aretê.  O livro já está em pré-venda pelo site: www.areteeditora.com.br

Veja-se: "Quanto mais velho fico, tanto mais eu percebo como é terrivelmente difícil para as pessoas se entenderem, e penso que alguém se engana acerca disso pelo fato de todos se parecerem tanto. Se algumas pessoas se parecessem com elefantes e outras com gatos ou peixes, alguém não esperaria que eles se entendessem, e as coisas pareceriam muito mais o que realmente são."

Embora amigos por duas décadas, observa Salles, o relacionamento entre o filósofo e o economista com o tempo degradou-se por completo. E o profundo desentendimento para o qual os dois caminham, examinado em detalhes em Gatos, peixes e elefantes, transforma-se, para o autor, num poderoso estímulo à análise do tema dos desacordos e acordos profundos que permeiam as interações humanas. "Tudo faria crer na semelhança desses dois grandes intelectuais do século passado, e mesmo numa forte influência mútua, entremostrada na obra de cada um. A aparente semelhança, porém, pode iludir e ocultar diferenças insuperáveis", pondera Salles.

Desacordos, por vezes, são intensos, mesmo por motivos fúteis –. ou seja, são intensos, mas não profundos, ele explica. Para identificar os desacordos profundos, é preciso antes saber que relações estão sendo quebradas, quais os acordos profundos que estão sendo rompidos. E esse é um tema bastante atual, que invade toda a vida pública, principalmente nas redes sociais. "São as divergências mais complexas, aquelas que dividem famílias e parecem irreconciliáveis, que estão como foco dessa investigação. Desacordos que se fundamentam em raízes pré-estabelecidas nas nossas práticas socioculturais e que desafiam a lógica do diálogo", diz o autor. Ou seja, profundos serão aqueles desacordos que comprometem a própria trama da sociedade.

Salles contrapõe-se à sugestão do filósofo Robert Fogelin que, em 1985, atribuiu a Wittgenstein a tese de que haveria "desacordos profundos", cuja natureza impediria sua resolução por um debate racional. Estariam no campo de tais desacordos, para Fogelin, temas como o aborto e as ações afirmativas. Salles recusa que tal tese esteja formulada em algum lugar da obra do filósofo austríaco e propõe um novo olhar sobre o problema e mesmo sobre a obra inteira de Wittgenstein, ao mostrar que a preocupação de Wittgenstein era antes a de investigar a "gramática dos acordos profundos". 

"Cada cultura tem um conjunto de valores e nenhuma cultura está, por si só, certa ou errada. Se desejarmos superar esses desacordos profundos é preciso antes de mais nada entender a constituição de espaços gramaticais, ou seja, o conjunto de regras e normas que, entremeadas na linguagem, norteiam as relações humanas", propõe João Carlos Salles.

Ascom