Aqui no Nordeste, o povo diz isso como, em dezembro, as pessoas costumam dizer: Feliz Natal. Agora, a pandemia nos rouba até isso, mas teimamos em dizer: Bom São João para você.
Não é difícil compreender o que está por trás das festas juninas. Aliás, para dizer a verdade, o espírito da festa está no DNA do povo e quanto mais simples e ainda mantiver o jeito de viver comunitário, mais gosta de festa, de toda e qualquer festa.
Como expressa um dos mais belos e antigos cânticos litúrgicos da Páscoa: "A vida e a morte se batem em um duelo estranho. O rei da vida, morto, reina vivo".
O cântico pascal dizia isso de Jesus ressuscitado, mas nos tempos da ditadura militar, na clássica canção Pesadelo, Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro zombavam dos torturadores e algozes da ditadura, cantando: "Você me prende vivo, eu escapo morto. De repente, olha eu de novo".
Toda festa, qualquer uma, tem esse sabor de ressurreição. O espírito de festa do povo se mantém, resiste e quase sempre acaba se sobrepondo.
E tem de ser assim porque originalmente na natureza, essas festas juninas são marcadas pelo solstício do inverno (o sol que ressuscita e recomeça a nos dar dias mais longos e luminosos).
E no Cristianismo, o nascimento de São João Batista significa um solstício dentro do coração da gente: ele anuncia o nascimento do Sol da Justiça que é o Cristo.
Quando anunciou ao pai Zacarias o nascimento do seu filho (João), o anjo previu: "Por seu nascimento, muitos haverão de se alegrar".
É a alegria messiânica, uma alegria meio louca e radical, mesmo no meio das dores da vida, a alegria que antecipa a vitória da salvação, ou seja, da libertação definitiva e revolucionária da vida e do universo.
Essa subversão divina é profetizada por dois sinais familiares que parecem milagres e o são em um mundo onde nada é gratuito.
Deus faz a mulher estéril dar à luz e assim iniciar o tempo novo da salvação. Deus faz o mudo falar e profetizar o novo tempo que surge com esse nascimento. Ao dar a luz a João (o nome significa Deus acha graça na gente e nos dá a sua graça), Isabel abre o mundo ao Novo Testamento.
Muito concretamente, hoje, peço a Deus que me faça sempre de novo ter a graça de passar de um tipo de fé do Antigo Testamento (que eu amo, respeito e acredito ser atual, embora incompleta) para o Novo Testamento. Hoje, a compreendo como fé profética, baseada na graça do amor e na confiança total do Espírito presente no mundo.
A profecia é revelar que o Espírito nos fala e o reino de Deus já começa, seja quando uma florzinha brota na secura das estradas do mundo, seja quando duas pessoas vivem o amor, seja em todos os gestos de generosidade humana, empoçada no coração de cada um/uma de nós.
Como no evangelho que conta o nascimento do profeta João Batista, o Amor Divino em nós nos faz passar da esterilidade para a fecundidade, da mudez para a comunhão.
Que Deus abra o útero envelhecido, meio endurecido de nossos corações quando parecemos estéreis e nos faça parir o mundo novo do qual tanto precisamos. Solte nossa língua presa a tantas convenções para dizer: o novo chegou. Somos todos e todas, profetas e profetizas dessa alegria messiânica.
*Marcelo Barros é beneditino, pernambucano e de convicções inter-religiosas.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial da REDEGN
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