Targino Gondim: "Bandas que se diziam de forró não faziam forró"

O cantor e compositor nordestino Targino Gondim está na estrada. Com um repertório afiado e pronto para encantar multidões, Targino mergulha na atmosfera junina com uma mistura de clássicos de grandes nomes da música nordestina, como Luiz Gonzaga, Elba Ramalho e Flávio José, além de suas próprias músicas que já se tornaram parte do imaginário coletivo da região.

O artista já tem uma agenda repleta de shows em cerca de 25 cidades, com outros ainda em negociação. Em relação à presença de outros ritmos além do forró nas festas juninas, Targino tem uma visão equilibrada: ele reconhece o papel positivo que essas influências podem ter ao atrair diferentes públicos para as festividades, mas alerta para o perigo de perder a essência do São João ao desviar-se muito do tradicional forró.

Para ele, é fundamental que as festas mantenham o foco na cultura junina, dando destaque aos sanfoneiros e sanfoneiras como protagonistas, mesmo que haja espaço para outros gêneros na programação.

Confira a entrevista:

Para começar, gostaria de te perguntar como está essa preparação para o São João, você já sabe dizer mais ou menos em quantas cidades vai tocar aqui na Bahia?

O São João é sempre uma época que, quando chega, a gente já está com o repertório pronto, afiado, as pessoas, o público da gente já ansioso, mandando mensagem, muitas mensagens por internet, nas redes sociais, 'estou te esperando em Ituberá', 'estou te esperando em Conquista', 'estou te esperando em Miguel Calmon, Capim Grosso, Estância, Sergipe, Aracaju, Caruaru'. Então, isso nos deixa mais motivados. A gente já viaja com a certeza de que tem um público enorme esperando, as pessoas estão muito felizes com a presença da gente. Então, essa preparação técnica já nem existe mais, porque a gente já tem um repertório já montado. Tem lugares e situações, tem cidades em que tem aquela musiquinha que é muito mais tocada, que as pessoas gostam, que ela está aí desde sempre, as pessoas gostam muito, pedem, solicitam...A gente vai, às vezes, modificando de acordo com isso. Mas a preparação é isso, a gente está sempre pronto para mostrar o que a gente está disposto a fazer. Um repertório baseado muito em Luiz Gonzaga, Domingos, Fagner, Elba Ramalho, Flávio José, e as minhas músicas que permeiam o imaginário de todo o Nordeste.

Quero abordar a presença de outros ritmos no São João, por exemplo, aqui na Bahia é muito comum a gente ver em festas do interior que o pagodão acaba sendo muito mais presente do que o forró em si. Como você avalia a presença atualmente de outros ritmos além do forró no São João?

No mês de junho, quando eu comecei a tocar e as coisas foram começando a acontecer, entraram bandas que foram tomando conta e até faziam forró quando queriam, elas estavam dispostas realmente a fazer forró. Mas as coisas foram crescendo, o mercado foi levando eles para um outro segmento que é distante do forró, a verdade é essa. Então, essas bandas que se diziam bandas de forró não faziam forró, mas de qualquer forma acabaram mexendo, sacudindo bastante com o repertório junino. Então, eu começava a ver ali a entrada de um Amado Batista, um Reginaldo Rossi...

Eu não questionava, eu achava até bacana, porque ajudava a trazer público para o São João, mas de qualquer forma, o público dos que vai para o São João é público que vai atrás realmente do forró, da sanfona, da protagonista, da quadrilha, da pamonha, da canjica. O que eu vejo hoje é assim, é perigoso quando você entrega o seu São João nessas festas grandes como o São João de Campina Grande, Caruaru, Petrolina agora, Aracaju.

É perigoso quando você entrega o São João nas mãos de pessoas que estão ligadas mais no mercado do que na própria frente, a junina
Targino Gondim Cantor e compositor
Porque senão, daqui a pouco a gente vai acabar perdendo o porquê de tomar licor durante o São João, o porquê de fazer uma fogueira na porta de casa, de dançar uma quadrilha, comer uma pamonha, canjica, porque nas músicas elas estão falando de outra realidade, de outra história. Então, eu vejo por esse lado, acho que esse é o lado mais real, mais fatídico dessa situação. Mas, por outro lado, eu não vejo problema. Assim como eu toco no carnaval, nas micaretas por aí que sou convidado. No carnaval de Salvador eu fiz seis shows e apenas fui mais uma colocação ali do meu gênero, da minha música, e com todo respeito. O que importa é que as pessoas, que esses governantes que estão aí, que comandam essas festas juninas, que eles tenham essa atenção especial para a sanfona. Que traga os sertanejos, o pagodão, mas que os sanfoneiros e sanfoneiras sejam realmente os protagonistas.

Você falou que é importante ter a participação do ritmo consagrado do São João, que é o forró. Mas você acha que o gênero vem se atualizando como os demais que estão nas programações?

A tradição e cultura não são estáticas, elas se movimentam o tempo todo, mas temos que ter responsabilidade com esse movimento, então, esses governantes que têm que fazer isso, tem que conduzir direitinho para que isso não se perca, a gente não está falando em São João que vai tocar só músicas lá de trás da época de Luiz Gonzaga, não, vão tocar também coisas muito atuais como eu, por exemplo, acabei de lançar uma música nas noites de São João, feita com Carlinhos Brown. Assim como eu, todos os outros estão lançando músicas novas o tempo inteiro, então a gente tem uma produção agora atual, mais atual do que nunca, então é importante que esse segmento tome as rédeas do controle musical da festa juninas.

Recentemente, a gente viu uma onda muito grande de festas privadas de São João no interior sendo canceladas. E alguns empresários chegaram a falar que o cancelamento dessas festas se deve à grande quantidade de festas públicas e de graça e que isso acabou fazendo com que o público não comprasse o ingresso. Como você avalia isso?

Vou te falar, não tenho rancor nenhum, eu sou um artista da época junina, um representante do São João, mas eu posso te dizer que eu quase nunca toquei em festas privadas, nunca fui chamado, nunca fui lembrado em nenhuma dessas festas privadas. Então, o que eu vejo é o seguinte, é um tiro no pé. Eles começaram com as festas deles, trazendo as atrações que não estavam na praça pública, tocando para as pessoas. Traziam sertanejo, traziam axé, traziam, samba, que tragam, claro, mas só que eles faziam as festas deles privadas sempre com essa turma. Então, quando essa turma agora passou a ser contratada pelos municípios e estados, passaram a ser contratadas, eles começaram a esvaziar as festas privadas. Então, as festas privadas não têm mais como fazer, como sobreviver, e eles acostumaram para que as pessoas fossem pagar ingressos para ver os artistas que agora estão na praça pública. A verdade é essa.

A Tarde Foto Divulgação