Na manchete do site de notícias da BBC, o presidente da Indonésia, Prabowo Subianto é chamado de “avô fofinho com um passado sanguinário”.
Ocupando o poder da terceira maior democracia do mundo, Subianto soube usar as novas técnicas de comunicação, as mídias sociais e o humor nonsense para conquistar as novas gerações – mesmo que seu passado seja de violência explícita.
Para o cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo, Adrian Lavalle, a nova comunicação é um reflexo de uma desilusão das novas gerações, o que as torna “especialmente sensíveis a políticos que prometem coisas, que vocalizam o ressentimento delas”.
Essa foi a terceira vez que Subianto concorreu à presidência. Ele tentou em 2014 e 2019, tendo em ambas as vezes contestado as suas derrotas alegando fraudes, o que não foi provado. Na última vez, uma série de protestos violentos contra sua derrota eclodiu em Jacarta, capital do país, deixando oito mortos. Seu nome já era conhecido ainda antes disso pela sua expulsão do exército em 1998 por ter ordenado sequestros de ativistas, alguns dos quais nunca mais foram encontrados.
Prabowo Subianto chegou até a admitir o fato, alegando em sua defesa que estava apenas “cumprindo ordens”. Já um episódio menos conhecido foi sua presença em um massacre no Timor-Leste, em 1983. Apesar de sua ligação não ter sido provada de maneira determinante, segundo levantamentos do jornal Inside Indonesia, é “certo que Prabowo teve uma participação vital” no fuzilamento sumário de 55 pessoas. Um sobrevivente alega que, após o massacre, militares do grupo das forças-especiais degolaram dois bebês restantes.
Nessas eleições, os Millennials (nascidos entre 1981 e meados de 90) e a Geração Z (entre meados de 90 e 2010) representaram mais da metade dos eleitores indonésios. Tendo obtido quase 60% dos votos, a estratégia de Prabowo Subianto de conquistar os jovens funcionou. Sua base de apoiadores fiéis se autodenomina “esquadrão da fofura”, aludindo ao intenso marketing que o presidente fez para construir sua imagem de “avô fofinho” durante a campanha. Para sustentar essa imagem, o indonésio fazia “dancinhas” características de TikTok no palanque, mandava corações para a plateia e espalhava imagens de geração artificial como se fosse um personagem da Pixar. “Eu raramente vejo a imagem real dele”, afirmou um pesquisador da Universidade de Atma Jaya durante as eleições.
Mesmo contrastando com seu passado de general e ordenador de sequestros, a figura de fofinho decolou. Gaudêncio Torquato, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, especializado em comunicação e marketing político, diz que estamos vivenciando uma fase de ‘espetacularização da política’: “Dentro do estado do espetáculo, tudo é válido para chamar a atenção. As figuras adotam dancinhas do palanque para serem identificadas com a juventude”. Sobre como isso contrasta com o passado violento do ex-general, o professor complementa: “A memória do povo vai se adaptando às novas circunstâncias a ponto de esquecer seus velhos pecados”.
Uma jovem que votou em Prabowo Subianto disse à BBC que sua campanha foi “muito fofa, divertida e acessível… não tão pesada quanto nos anos anteriores”. O humor nonsense – como dancinha de TikTok, enquanto imagens “fofinhas” são estampadas por toda a campanha – foi um grande apelativo a essa geração.
Segundo o professor Lavalle, esse fenômeno se deve a “profundas transformações” na economia. “Trata-se de uma geração em que os jovens não têm perspectiva de que atingirão o nível de vida dos pais.” Em um meio de incertezas e instabilidade, as desilusões se traduzem na perda de sentido. Isso os torna um público mais sensível a políticos que tocam nos seus ressentimentos e suas demandas por comunicação. “Tem a ver com a forma como essas novas gerações aprenderam a lidar com a informação, querer se conectar com o mundo, e isso através das redes sociais”, diz o professor. Quem sai na frente nesse novo cenário, para Lavalle, é quem sabe falar essa nova língua da modernidade: “Sentar-se para ouvir uma pessoa falando durante uma hora não faz nenhum sentido para essas gerações mais novas. Para elas, a comunicação tem que ser extraordinariamente veloz, precisa capturar a atenção”. Para tanto, um jeito eficaz é “através de imagem, adotando os recursos que essas gerações usam para se comunicar com o mundo, que é a comunicação das redes sociais”.
A solução, para o especialista, não é “demonizar” essa tendência, mas saber ouvir suas necessidades. Em um mundo incerto, em que “as expectativas mais estáveis de futuro são cada vez mais improváveis” para eles, “é preciso reconstruir a comunicação política para dialogar com esses jovens”. Caso contrário, como aponta Lavalle, a nova política será cada vez mais dominada pelo extremismo e autoritarismo, que são os nichos que melhor jogaram com a desesperança dos jovens até o momento.
Jornal da USP
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