Para a família de Chico Mendes, as recentes notícias vindas de Medicilândia machucam, mas não chegam a causar surpresa. Na segunda-feira, dia 19 de fevereiro, ((o))eco entrou em contato com Angela Mendes, filha mais velha do líder sindical. Ela soube do novo cargo de Darci Alves Pereira pela reportagem.
“Eu já sabia há algum tempo, não muito, poucos meses, da pretensão política do Darci. De toda forma, eu não me surpreendo […] Ter uma pessoa na presidência de um partido como o PL, de extrema direita e que tanto mal causou ao País, cuja família sempre viveu através de ilícitos, para mim é a representação da maioria do Congresso que a gente tem hoje”,diz.
Segundo Angela, Darci é apenas mais um elo da cadeia de atores que se fazem presentes na política nacional atualmente. “Essas criaturas permanecem [no poder] porque usam de várias artimanhas. Quando chegam ao poder, a estratégia é trabalhar pra que a população se mantenha sem acesso à política pública de qualidade, principalmente de educação. Afinal, ter uma educação que forme pensamento crítico e consciência social representa um perigo de ruptura dessa escravidão do voto”, diz.
Para a filha mais velha de Chico Mendes, o fato de Darci ter cumprido pena não o isenta do crime cometido. “Não me surpreende, mas não deixo de ficar triste pela iminência de termos no Congresso ou em qualquer espaço político mais uma pessoa condenada por um assassinato tão cruel e covarde, declaradamente criminosa (…). Não é porque pagou a sentença que deixou de ser criminosa, isso não o torna inocente”, diz.
Darci Alves Pereira, réu confesso, condenado em 1990 a 19 anos de prisão pelo assassinato de Chico Mendes, tomou posse no final de janeiro como o novo presidente do Partido Liberal (PL) de Medicilândia, cidade de cerca de 32 mil habitantes no oeste paraense.
Documento obtido por ((o))eco junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indica que a composição da nova diretoria do PL em Medicilândia foi formalizada na Justiça Eleitoral em 27 de novembro de 2023.
A cerimônia de posse, no entanto, aconteceu somente no dia 26 de janeiro de 2024. O evento, realizado na Câmara de Vereadores da cidade, contou com a presença do deputado estadual Rogério Barra, secretário-executivo do PL no estado do Pará e de quem Darci Alves Pereira é afilhado político.
Vida nova
Darci Alves Pereira se estabeleceu em Medicilândia após cumprir parte da pena pelo assassinato do líder sindicalista, na década de 1990. Na cidade, porém, nem todos o conhecem pelo nome de batismo.
“Em Medicilândia não é todo mundo que sabe que ele é o Darci que matou o Chico Mendes, pra você ter uma ideia. Ele utiliza outro nome, a gente conhece ele por Daniel”, disse uma moradora, que preferiu se manter no anonimato, por receio de represálias.
Segundo a moradora, Darci Alves Pereira, ou “Daniel”, é considerado um cidadão de bem no município e região. “Ele é uma pessoa que todo mundo conhece e respeita muito […] Ele é conhecido por ser um líder na comunidade, por doar dinheiro pra igreja, doar dinheiro para os mais necessitados, é um bom pai, é um bom esposo. É isso o que a comunidade fala”, explicou.
De acordo com ela, os “mais poderosos” sabem do passado de Darci, mas isso não o deprecia. Pelo contrário, diz. “Ele não carrega a alcunha do assassino do Chico Mendes. Do ponto de vista das pessoas daqui, ele é como se fosse um herói. Essa é a narrativa usada, ele é a pessoa que conseguiu matar o cara que estava travando o desenvolvimento.”
Convertido à igreja evangélica há alguns anos, Darci Alves atualmente se apresenta como “Pastor Daniel” e atua na Assembleia de Deus da Última Hora.
Assim como fazia sua família no Acre antes do crime, Darci mantém em Medicilândia uma fazenda produtora de cacau e gado.
Chico Mendes
Chico Mendes nasceu em Xapuri, no seringal Porto Rico, no dia 15 de dezembro de 1944. Seringueiro, sindicalista e ativista político, ele lutou a favor dos seringueiros da Bacia Amazônica, cuja subsistência dependia da preservação da floresta e das seringueiras nativas.
Um de seus principais legados foi a ideia, então considerada revolucionária, da criação de reservas extrativistas, algo que só foi formalmente criado após a morte do sindicalista.
Seu ativismo lhe trouxe reconhecimento internacional, ao mesmo tempo que provocou a ira dos grandes fazendeiros locais. Entre 1987 e 1988, Chico Mendes foi premiado por sua atuação, recebendo o Global 500, da Organização das Nações Unidas (ONU), na Inglaterra, e a Medalha de Meio Ambiente da Better World Society.
Passados 36 anos de sua morte, Chico Mendes ainda se mantém como símbolo da luta pela preservação da Amazônia.
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