A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de vetar 14 trechos do Projeto de Lei 1.459/22 — o chamado "PL do Veneno", segundo os ambientalistas —, que definia uma nova forma de licenciamento de agrotóxicos, desagradou à bancada do agronegócio na Câmara. Os ruralistas se articulam para a derrubada dos vetos presidenciais, assim que forem retomados os trabalhos no Congresso.
Sancionada parcialmente, a lei aprovada pelo Congresso definia que a aprovação do uso de agrotóxicos na lavoura passava a ser competência apenas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) — conforme pretendiam os ruralistas. Com os vetos de Lula, a autonomia da pasta foi derrubada e foi mantida a competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Assim, as autarquias continuam a poder avaliar os impactos ao meio ambiente e à saúde da população em pedidos de novos registros ou na alteração das fórmulas dos químicos usados na produção de alimentos no país. Antes dos vetos, a Anvisa e o Ibama — presidido atualmente por Rodrigo Agostinho, aliado da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva — figuravam apenas como órgãos consultivos do ministério.
O projeto de lei original tramitou no Congresso por mais de 20 anos e sempre foi motivo de divergência entre ambientalistas e ruralistas. Nesse terceiro governo de Lula, o PL colocou em lados opostos o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e Marina.
A aprovação do PL veio após alterações propostas pelo relator do texto no Senado, Fabiano Contarato (PT-ES). O autor do projeto original é o ex-senador Blairo Maggi, hoje um dos principais aliados de Lula junto ao agronegócio e padrinho da indicação de Fávaro.
O presidente vetou quatro artigos inteiros do PL. Um que colocava o Mapa como coordenador de "reanálises" de agrotóxicos e outros três que estabeleciam regras para a Taxa de Avaliação e Registro de agrotóxicos, que financiaria o Fundo Federal Agropecuário — o governo aponta que não foram definidos os valores a serem cobrados.
Reúso de embalagens-Outro trecho vetado trata da concessão do registro automático a produtos antes mesmo da reanálise concluída. Também foi barrado um parágrafo que dispensava a obrigatoriedade dos fabricantes dos defensivos agrícolas de exibir nos rótulos a descrição dos produtos com o nome e advertência que proíbe a reutilização das embalagens.
A retirada da possibilidade de aprovação automática de registros nos casos de alteração de fórmulas de agrotóxicos, antes mesmo da conclusão dos processos de reanálise do risco, foi justificada pelas ameaças que traz. "A proposição é inconstitucional por colocar em risco os direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", salienta a justificativa.
Ainda assim, a nova Lei 14.785/23 acelera o trâmite dos registros, renovações e reavaliação de agrotóxicos. A análise deve ser concluída em até 24 meses.
"Surpresa"-A CropLife Brasil — associação que representa a indústria de sementes e mudas, biotecnologia, defensivos químicos e biológicos — afirmou estar "surpresa" com os vetos ao PL. Segundo nota divulgada pela entidade, "a versão original trazia avanços institucionais fundamentais para que o agronegócio seguisse com acesso às inovações tecnológicas presentes em diversos países produtores agrícolas mundiais".
De acordo com a CropLife Brasil, vários pontos que o setor considerava relevantes tinham caído na Câmara dos Deputados e no Senado, como condição para aprovação do PL. "Por tudo isso, nossa expectativa era de que o projeto, que representava o resultado de um debate democrático que envolveu diversos setores da sociedade ao longo dos últimos 24 anos, fosse aprovado na íntegra pela Presidência", lamenta. A associação salientou, ainda, estar em contato com parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), para avaliação dos vetos presidenciais no Congresso.
Entre os pontos vetados, a CropLife destacou o da coordenação do Ministério da Agricultura sobre os processos de reanálise de defensivos e sobre pedidos de registro de produtos semelhantes durante esses processos. "A liderança da pasta garantiria maior previsibilidade para o setor privado e eficiência para a administração pública, sem renunciar aos rígidos critérios técnico-científicos dos órgãos de saúde, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e do meio ambiente, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recurso Naturais Renováveis (Ibama)", observa a nota da entidade.
Outro veto que causou "estranheza" ao setor, considerado pela CropLife "relevante e injustificável", foi a supressão do dispositivo que dispensa marca da empresa em alto relevo na embalagem do produto. Segundo a associação, o Brasil tem um dos sistemas mais avançados de logística reversa do mundo. "O veto representa, portanto, apenas custo adicional sem qualquer benefício ao meio ambiente", assegura.
A CropLife destaca, ainda, o veto à criação de uma taxa unificada, "que previa destinação para investimentos na estrutura das agências regulatórias e maior fiscalização de defensivos químicos agrícolas".
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