Quais cuidados devem ser adotados para preservar vidas ou evitar lesões que possam gerar consequências permanentes? Esse é um questionamento que precisa ser rotineiro no dia a dia de quem se locomove pelo trânsito das grandes cidades.
De acordo com o Relatório Anual de Segurança Viária do Recife, cujo os dados referentes a 2022 foram divulgados na última segunda-feira (20) pela prefeitura, 105 pessoas morreram no trânsito da cidade no ano passado, o que representa um aumento de 19,3% em relação a 2021.
Um dos alertas apontados pelo levantamento diz respeito aos sinistros de trânsito envolvendo motocicletas: das 1.806 ocorrências registradas com vítimas feridas, 72% envolviam motos.
Segundo os registros do Sistema de Informação sobre Acidentes de Transporte Terrestre, gerenciado pelo Governo de Pernambuco por meio da Secretaria Estadual de Saúde, entre janeiro e setembro deste ano foram notificados 26.843 casos de vítimas de acidente de transporte terrestre em Pernambuco, com 20.061 deles, ou seja quase 75%, envolvendo motocicletas. Somente no Hospital da Restauração (HR), um dos principais hospitais que atendem pessoas envolvidas em sinistros de trânsito na Região Metropolitana do Recife, foram recebidas 4.057 vítimas ao longo dos nove primeiros meses de 2023, com 2.501 delas sendo vítimas de sinistros com motos.
Para o arquiteto e urbanista Francisco Cunha, referência em mobilidade urbana, o aumento e a predominância de sinistros com motos tem relação direta com a ampliação dos serviços de transporte e entrega por aplicativo. Durante a pandemia de Covid-19, os apps proporcionaram comodidade aos clientes e permitiram que profissionais tivessem acesso a oportunidades remuneradas de trabalho. Nos últimos meses, os serviços de transporte de passageiros por motocicleta também tiveram uma visível escalada, o que estaria expondo outro grave problema: a segurança de condutores e de passageiros.
Na opinião de Cunha, esse tipo de serviço de transporte deveria ser imediatamente suspenso, só retornando após medidas efetivas de segurança e ampla fiscalização pelos órgãos competentes. “Em primeiro lugar, eu entendo que o transporte de passageiros por moto deveria ser proibido. Isso é uma questão de segurança viária mínima porque você não pode fazer transporte nas condições que é feito, sem uma segurança básica e elementar. Portanto, deveria ser proibido para que se vier a ser regulamentado seja depois de uma grande discussão e com todas as garantias de segurança individual”, disse.
A velocidade é outro ponto destacado pelo especialista. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o excesso de velocidade é a principal causa de morte no trânsito. “O que cria a insegurança é a velocidade acima das mínimas permitidas pela legislação. E a gente vê essas motos colocando velocidade muito superior. Uma queda de uma moto é um desastre absoluto. Se a pessoa não morrer, vai ficar em situação de saúde precarizada e com o risco de vida”, comentou.
A atenção firme no trânsito vale tanto para profissionais que levam passageiros como para aqueles que atuam com entregas de alimentos e produtos.
“Todos deviam estar rigorosamente fiscalizados pelas autoridades de trânsito, com todos os equipamentos de segurança. Não pode andar descalço, não pode andar de sandália, não pode andar de bermuda, não pode andar sem capacete. Isso tudo é regulamentado. E a velocidade tem que ser rígidamente controlada, não pode passar de determinada velocidade estabelecida pelo Código de Trânsito. Se a gente não fizer isso, a gente está condenando toda uma parcela significativa da juventude à mutilação e à morte, por descumprimento e por falta de fiscalização. Isso é um atentado à saúde da população, nós estamos no meio de uma epidemia de acidente de moto, que sobrecarrega o sistema de saúde”, frisou.
Médico cirurgião do Trauma e diretor geral do Hospital da Restauração, Petrus Andrade Lima conta que boa parte dos pacientes da Traumatologia e uma parte dos pacientes da Neurocirurgia da unidade são provenientes de acidentes de veículos automotores, com as motocicletas colaborando com a maior parte desse quantitativo. “A gente percebeu que houve um aumento nos acidentes de moto neste ano, um aumento expressivo, e, comparado com anos anteriores, nós percebemos um aumento na gravidade dos casos também”, avalia.
As situações mais severas são decorrentes de sinistros em que o veículo estava em alta velocidade. “Nós sabemos que além da possibilidade de morte, temos vários pacientes que saem sequelados, ou seja, com amputações, fraturas, e que não vão conseguir se recuperar previamente. Então, a gente tem que ter esse cuidado, tem que pensar que respeitar a velocidade e o uso dos equipamentos de proteção é um ato de amor próprio e não somente de convivência social. Nós não somos críticos aos motociclistas, o que a gente precisa é que eles entendam que há uma responsabilidade grande quando se é motociclista.”
Instrutor de trânsito na autoescola Piloto, Marcony Lima reforça a necessidade de atenção e cautela no trânsito. Ele dá aulas de direção há quase dez anos e explica que boa parte dos sinistros podem ser evitados caso os condutores respeitem as normas e estejam atentos ao que acontece nas vias.
“A gente fala que muitos desses sinistros acontecem, 90% das vezes, por conta de três situações, que são a imperícia, a imprudência e negligência. A imperícia é justamente a falta de habilidade que eu tenho com o veículo em si. Então, eu tenho que estar preparado se eu for fazer um uso maior desse veículo, tenho que usar os equipamentos de proteção individual”, orientou.
Para o instrutor, no caso de transporte de passageiros, o condutor, além da segurança, também deve prezar pela empatia. Ele reforça, ainda, que a conscientização é fundamental para toda a sociedade e, especialmente, para quem trabalha com aplicativos. “Essa conscientização é importante para que você comece a refletir, porque muitas vezes a gente pensa que não pode acontecer conosco, mas acontece”, pontua.
A Folha de Pernambuco entrou em contato com três das principais empresas de aplicativos de transporte que operam no país. O iFood afirmou que investe em campanhas e capacitação de entregadores para prevenir acidentes, além de oferecer auxílios em caso de sinistros de trânsito, bem como seguro gratuito desde 2019, com cobertura em caso de acidentes pessoais, lesão temporária, invalidez e morte.
Já a 99 informou que, de acordo com dados da plataforma, 99,99% das corridas realizadas com a modalidade 99Moto se encerram em segurança. Também afirmou que o app conta com mais de 50 funcionalidades de segurança, incluindo mapeamento colaborativo das zonas de risco, seguro do início ao final da corrida, monitoramento da corrida via GPS e botão para ligar direto para a polícia e uma central 24h.
A Uber, por sua vez, preferiu não comentar individualmente sobre as ações de segurança desenvolvidas pela empresa.
Folha Pe Foto Reprodução Agencia Brasil
0 comentários