A poucos dias da conferência sobre mudanças climáticas, COP28, em Dubai, dois relatórios internacionais sobre emissão de gases do efeito estufa advertem sobre os males da poluição. A emissão de gás carbono de cerca de 80 milhões de pessoas ricas é equivalente a produzida por 66% da população mais pobre.
Ainda nesse cenário de emergência climática, conforme o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, pela primeira vez na história, a temperatura global alcançou 2ºC acima da média pré-industrial, o aumento registrado na última sexta-feira (17/11) foi de 2,07ºC.
O relatório Igualdade Climática: Um Planeta para os 99%, divulgado pela Oxfam International, organização britânica sem fins lucrativos que atua no combate à desigualdade social, mostra que 16% das emissões mundiais de gás carbono vêm de 1% da população, denominada "os super-ricos". Em um documento à parte, a Organização das Nações Unidas (ONU) apela para que todas as nações adotem de forma urgente práticas econômicas com impactos menores no ambiente.
Apesar do combate à crise climática ser uma responsabilidade compartilhada, nem todas pessoas e nações têm o mesmo papel. As políticas devem ser adaptadas para cada um, observou Max Lawson, coautor do relatório, à AFP. "Quanto mais rico você for, mais fácil será reduzir as emissões pessoais e de seus investimentos. Você não precisa daquele terceiro carro, ou daquelas quartas férias, ou não precisa investir na indústria de cimento."
A comparação é simples: 1% dos mais ricos emitem o equivalente a dois terços da população mais pobre, que reúne cerca de 5 bilhões de pessoas. A constatação é utilizada como alerta pelos especialistas para que todos os responsáveis pela emissão de gases e, consequentemente, a elevação das temperaturas do planeta adotem medidas para evitar o agravamento da situação.
Alexandre Prado, líder em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, destaca que a população mais pobre, que menos polui, é a mais afetada diante desse abismo. "São as pessoas que têm as melhores casas, avião particular, melhores carros, têm tudo que o sistema econômico atual pode proporcionar, que são os grandes causadores de impacto e emissões. Ao mesmo tempo, elas têm a maior capacidade de se adaptar, de resiliência aos extremos climáticos. Enquanto a população mais pobre, 60% conforme o recorte dado no estudo são as mais impactadas."
Para Lawson, as medidas de contenção devem ser progressivas. Segundo ele, essas ações passam, por exemplo, pela adoção de cobrança de imposto para embarcar acima de 10 voos, por ano, e uma taxa sobre investimentos não verdes mais elevada do que os tributos que incidem sobre os projetos sustentáveis. "Nós pensamos que a menos que os governos adotem uma política climática progressiva, em que as pessoas que mais emitem sejam solicitadas a fazer os maiores sacrifícios, nunca vamos conseguir uma boa política a respeito do tema", diz.
André Ferretti, gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), afirmou que a discrepância desse cenário tende a se manter porque os mais ricos ocupam espaços importantes em todo o mundo. "Esse 1% da população influencia as políticas e o cenário político todo porque muitas dessas pessoas acabam tendo os principais cargos políticos e técnicos nos governos. Essa população fica no comando dos grandes negócios e empresas. Muitas vezes, o interesse dessa parcela é manter o status do seu negócio, independentemente de ser sustentável ou não."
Ação conjunta-Nos últimos dias, o Brasil e o mundo vivem dias de calor intenso, como nas cidades do Rio de Janeiro e de Cuiabá (MT) que registraram marcas históricas bem acima dos 40º graus Celsius (C). A estimativa, segundo o documento divulgado pela ONU, é que se esse ritmo se mantiver, o planeta está prestes a se deparar com um aumento da temperatura entre 2,5ºC e 2,9ºC - quase o dobro da meta ideal por dia.
A publicação concluiu ainda que as emissões mundiais aumentaram 1,2% de 2021 a 2022, atingindo um novo recorde de 57,4 Gigatoneladas de Dióxido de Carbono Equivalente. A advertência é para que os países, com maior capacidade e responsabilidade pelos gases, devem criar alternativas mais ambiciosas e apoiar as nações em desenvolvimento que crescem com baixas emissões.
De acordo com o órgão é preciso que as nações do G20 - que reúne os países mais ricos do planeta - acelerem a transição energética e aumentem os cortes nas emissões de gases. "Deverá ser o ano mais quente já registrado e o relatório salienta que o mundo está testemunhando uma aceleração perturbadora no número, velocidade e escala dos recordes climáticos quebrados", disse o secretário-geral da instituição, António Guterres.
Stela Herschmann, coordenadora-adjunta de Política Internacional do Observatório do Clima, destaca que é preciso repensar a forma de investir e de viver. "Estamos falando de um estilo de vida luxuoso dessa população mais rica, que anda de jatinho, faz atividades que são grandes poluidoras. Grande parte das emissões da parcela mais rica também tem muito a ver com o investimento que essas pessoas fazem em empresas que são predominantemente poluentes."
Diferenças agravadas-"O mundo desigual vai ficar ainda pior para aqueles que pouco têm, em consequência do problema gerado por acúmulos econômicos daqueles que já tem muito hoje. Essas pessoas tendem a ficar numa situação menos incômoda com relação ao clima do que aquelas menos abastadas que já sofrem demais. Isso não é nem apenas um agravamento da desigualdade. Isso é uma conta cruel em cima de um quadro desigual muito grave que a gente enfrenta hoje no mundo."
Correio Braziliense Foto Agencia Brasil-Tania Rego
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