De acordo com a Organização Mundial Meteorológica (OMM), há grandes chances de um dos próximos cinco anos ser o mais quente da história desde que começaram as medições de temperatura. Com o aquecimento global, desastres socioambientais também vêm se tornando cada vez mais frequentes. No Brasil, os impactos dos temporais em São Sebastião, em janeiro deste ano, e em Petrópolis, no início de 2022, reforçam a necessidade de políticas de mitigação. Em sua pesquisa, Patricia Matsuo, do Instituto de Biociências (IB) da USP, explora como a educação ambiental nas escolas pode auxiliar na conscientização e prevenção desses desastres.
O trabalho, que é finalista do Prêmio Tese Destaque da USP 2023 e vencedor do Prêmio Capes de Tese 2023 na categoria de Ensino, avalia práticas educativas inscritas nas quatro primeiras edições da Campanha #AprenderParaPrevenir, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). No total, foram analisadas iniciativas de 238 escolas, a maior parte do ensino público.
A pesquisadora adotou um modelo mandala para classificar as abordagens de Educação em Redução de Riscos e Desastres (ERRD) em cinco categorias diferentes: cidadã, expositiva, comunicativa, experiencial e investigativa. As classificações foram feitas de acordo com as habilidades estimuladas e desenvolvidas durante a atividade. A mandala foi idealizada para retratar a diversidade de classificação das abordagens didáticas, já que diferentes práticas podem ser alocadas em mais de uma categoria.
“Para apresentar os resultados, lembrei de uma estrutura tipo ‘disco de Newton’, popular na física, o que me inspirou a buscar algo em círculo. Depois, pensei em uma estrutura de mandala, pois na língua sânscrita mandala significa círculo. Além disso, gosto de misturar arte na pesquisa e criar formas descontruídas para representar os dados científicos”, explica Patricia Matsuo ao Jornal da USP. A mandala elaborada pela pesquisadora auxilia na visualização das tarefas e serve no monitoramento de possíveis defasagens educacionais, além de ser um recurso que pode ser utilizado no planejamento de aulas pelos professores.
Os dados foram obtidos por meio de um cadastramento voluntário das escolas, universidades e Defesas Civis de 118 municípios do Brasil. Essas informações podem ser acessadas no site do Cemaden.
As práticas educativas analisadas pela pesquisadora vão da organização de debates em sala de aula até a construção, com garrafas PET, de pluviômetros – equipamentos responsáveis pela medição da chuva. A multidisciplinaridade dos exercícios foi outro fator valorizado: com as oficinas de pluviômetros, os alunos fizeram um trabalho de monitoramento da precipitação na área de suas escolas, além de realizarem uma comparação dos dados com os de instituições oficiais.
“O trabalho é uma forma de reconhecimento desses professores e professoras pelo trabalho que estão desenvolvendo em torno da escola. Eles estão construindo conhecimentos em redução e prevenção de riscos e desastres, além de serem agentes ativos no desenvolvimento de novas metodologias educativas inovadoras”
O ensino de educação ambiental nas escolas é essencial para a compreensão dos desastres climáticos como acontecimentos socioambientais – ou seja, agravados pelo processo de urbanização. A professora do IB e orientadora da pesquisa, Rosana Silva, afirma que esse entendimento torna-se importante no combate às injustiças ambientais.
“Não dá para culparmos a chuva e o vento. É preciso entender que existe toda uma construção social que faz com que a sociedade empurre populações mais vulneráveis para regiões de maior problema ambiental”
No início deste ano, o município de São Sebastião, localizado no Litoral Norte de São Paulo, foi atingido por chuvas torrenciais que apresentaram uma precipitação de 683 milímetros (mm). Consideradas as maiores registradas na história do País, as chuvas ocasionaram uma série de deslizamentos de terra, que resultaram na morte de 64 pessoas e milhares de desabrigados. De acordo com o Cemaden, informações sobre a iminência de um desastre na localidade foram fornecidas ao governo do Estado e à Prefeitura com 48 horas de antecedência. Contudo, moradores alegam que não receberam notificações por parte da Defesa Civil e que não foram orientados a evacuar suas residências, mesmo diante das ameaças de deslizamentos.
Muitos bairros da cidade se localizavam em encostas e eram classificados como áreas de risco – classificação atribuída a locais mais suscetíveis a desmoronamentos. Atualmente, estima-se que 3,5 mil famílias ainda vivam em áreas de risco em São Sebastião. No Brasil, 3,9 milhões de pessoas têm suas residências nessas regiões.
“Esse conhecimento do dia a dia é muito importante. As pessoas que estão sobre esse constantes riscos precisam identificar os potenciais indicadores desses riscos. Saber que se a água chegar naquela calçada, eu já tenho que ficar alerta porque pode entrar na minha casa”, afirma Matsuo. A pesquisadora reforça o papel das escolas na construção de conhecimentos de prevenção e redução de danos que precisam ser incorporados na gestão governamental dos riscos e nas políticas públicas.
A tese também deu origem ao livro Muito além da chuva: práticas educativas na era dos desastres, editado pela Associação Portuguesa de Riscos, Prevenção e Segurança (RISCOS), ligada à Universidade de Coimbra, Portugal – instituição onde a pesquisadora realizou seu doutorado-sanduíche entre 2021 e 2022. O material pode ser acessado gratuitamente no site da instituição.
A pesquisadora participará do ciclo de seminários comemorativos dos 50 anos do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências (Piec) da USP com a palestra Muito além da pós-graduação: de educadora para pesquisadora e escritora, onde falará sobre sua tese. O evento acontece de forma presencial no dia 12 de setembro, às 16 horas, no Auditório Adma Jafet do Instituto de Física (IF) da USP e também contará com uma transmissão online.
Jornal da USP
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