Bioma Caatinga: No Semiárido brasileiro, intempéries e estereótipos vêm sendo superados

“Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro;
de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro;


e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos (…) (Tecendo a manhã – João Cabral de Melo Neto)

É com esse sentimento de trabalho em rede expresso nos versos do poeta pernambucano que os agricultores familiares do Semiárido brasileiro se organizam frente ao desafio de produzir alimentos para o País e quiçá para o mundo. O Projeto Rural Sustentável (PRS) Caatinga vem apoiando a Agricultura Familiar no Nordeste no cumprimento deste objetivo sob a perspectiva de uma produção sustentável e de baixa emissão de carbono. Nesta reportagem você irá conhecer mais sobre essas ações e outros esforços que consideram a diversidade de possibilidades da Sociobioeconomia da Caatinga.

No Semiárido brasileiro, intempéries e estereótipos vêm sendo superados e a agricultura familiar vem respondendo com uma produção singular, especialmente no contexto da Caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro. A diversidade de produtos e modos de organização de Arranjos Produtivos Locais (APLs), apoiados pelo Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRS Caatinga), mostram que são muitas as possibilidades de produção no Semiárido brasileiro.

Confira reportagem na integra aqui, texto de Alice Sales-Agencia Econordeste.

Essa é uma das principais premissas do PRS Caatinga, que desde 2019 apoia a Agricultura Familiar em comunidades do Semiárido brasileiro com o objetivo de mostrar que é possível aplicar Tecnologias Agropecuárias de Baixa Emissão de Carbono (TecABC) à produção familiar rural, de forma a mitigar as mudanças climáticas e permitir que essa população tenha sua renda e segurança alimentar garantidas. “É importante destacar a agricultura regenerativa e sua conexão com a floresta nativa. O fomento à agricultura familiar traz inclusão social e aumento de renda”, ressalta Pedro Leitão, diretor do PRS Caatinga.

Paulo Eduardo de Melo, diretor do AgroNordeste, plano criado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), faz coro: ”é impressionante a qualidade desses produtos da biodiversidade da Caatinga, sua quantidade e diversidade. É importante olhar para a sustentabilidade econômica do agricultor familiar e ver a biodiversidade como fonte de diversidade alimentar, mas também como fonte de renda para aquele que é capaz de mantê-la preservada.

Já Fernando Cabral, coordenador do Projeto Bahia Produtiva, iniciativa que apoia a agricultura familiar baiana, vai mais além. Segundo ele, a Caatinga é um bioma perfeitamente capaz de atender as demandas por alimentos mais saudáveis: “o bioma tem grande potencial para oferecer produtos diferenciados e de elevado valor agregado, com atributos e características singulares. Esses produtos concentram nutrientes importantes para a manutenção da saúde e imunidade, em muitos dos casos. Também temos produtos com sabores marcantes que podem ser utilizados na gastronomia, entre outros usos”, defende.

A ideia é reforçada por Leiliane Aranha, coordenadora do Centro Público de Economia Solidária (Cesol) Sertão Produtivo. Ela destaca que uma das principais características da Caatinga é o clima Semiárido, onde muitos alimentos são produzidos a partir da necessidade de resistir a altas temperaturas. “Assim a demanda do público consumidor para esses tipos de produto é atendida a partir da produção baseada na realidade local,” afirma.

Mas, apesar de o bioma ter seu potencial produtivo reconhecido, o consumidor nacional ainda encontra poucos desses produtos em sua mesa e nos mercados. “Os produtos do bioma existem, mas as pessoas não sabem”, reconhece Anderson Sevilha, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Atenta para o fato de que, segundo ele, uma solução seria dar prioridades a produtos como a polpa do umbu, fruto típico da Caatinga, nos editais de aquisição de alimentos.

Reconhecer quais são as especiarias da Caatinga, ou seja, as joias que só a mata branca oferece, e entender como seus Arranjos Produtivos Locais se desenvolvem e se preparam para o mercado são também a chave para impulsionar o consumo global desses produtos. “Quando se compra uma barra de cereal de umbu, por exemplo, o quanto temos de valor agregado de serviço ambiental e cultural e de uma diversidade que está sendo mantida alí? Esses valores precisam estar agregados ao produto e essas informações que valorizam o produto precisam estar visíveis ao consumidor”, ressaltou Sevilha.

Não é à toa que o umbu é o primeiro alimento a ser lembrado. Essa iguaria da Caatinga está ligada a uma história exemplar de produção e comercialização de produtos oriundos do bioma. O sucesso dos produtos feitos do fruto está estreitamente relacionado às histórias de vida de homens e mulheres extrativistas da Bahia que realizam esse beneficiamento e compõem a Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc), uma das iniciativas que transformam o fruto em fonte de renda.

Antes de pensar na conquista de maiores mercados para esta produção, é preciso relembrar uma história que começou na década de 1980, quando um grupo de mulheres se reuniu para preparar, artesanalmente, produtos do umbu. A iniciativa, ao longo dos anos, foi ganhando força e contando com aportes financeiros de instituições parceiras, como a Igreja Católica, o Instituto Regional da Pequena Propriedade Apropriada (IRPAA) e a Fundação Slow Food para a Biodiversidade.

Em barracas de feiras nos municípios, as geleias, doces e iguarias feitas do umbu passaram a estar presentes no comércio local, enquanto os números de unidades de processamento e de pessoas envolvidas neste trabalho se ampliaram, pouco a pouco. Em 2006, a Coopercuc buscou a certificação de produção orgânica, o que permitiu a inserção na venda para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Governo Federal. Foi aí que, com estratégias de adequação como a busca por certificações e o cuidado com a identidade visual dos produtos, essa produção deslanchou para mercados maiores e terminou por alcançar o comércio exterior.

Além disso, a cooperativa possui atualmente uma parceria com a L’occitane au Brésil, na qual os agricultores familiares produzem e fornecem insumos de origem do mandacaru para a fabricação de uma coleção de cosméticos feitas a partir da cactácea típica da Caatinga.

Hoje, a Coopercuc conta com um quadro de mais de 35 colaboradores e 283 cooperados que se dedicam à produção e beneficiamento do umbu e outros frutos típicos, como o maracujá-da-caatinga. “A comercialização da cerveja artesanal do umbu é muito rápida, embora o processamento leve tempo. Capacitamos um jovem local para ser o nosso mestre cervejeiro. Atualmente, exportamos esses produtos para a Alemanha, mas já tivemos produtos comercializados na França e na Áustria. Temos como carro-chefe o doce em corte do umbu, no comércio local. O licor também é bem aceito. Na Europa, há uma preferência maior pelo doce cremoso e a geleia”, destaca Jussara Dantas, gerente comercial da Coopercuc.

Para além dos produtos feitos do umbu, sequilhos feitos com farinha de mandioca, mel destinado à exportação, colorau, doces, geleias, compotas, licores, sucos e fermentados de frutos típicos da região e queijos de leite de cabra são exemplos da produção de excelente qualidade dos mais diferentes Arranjos Produtivos apoiados pelo PRS Caatinga. Esta produção de origem aos poucos vem ganhando espaços no comércio, além de ser fonte de alimentos para a merenda escolar, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Esse é o caso da Associação dos/as Agricultores/as Familiares da Serra dos Paus Dóias (Agrodóia), que em 2022 fechou um contrato com o PNAE, no valor de R$ 115 mil, e, por meio dele, fornece produtos, como sequilhos e frango abatido, para as escolas da rede pública de Exu (PE). Com o Apoio do PRS Caatinga, a Agrodóia viabilizou tecnologias de Recuperação de Áreas Degradadas (RAD) e de Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) em quatro Unidades Demonstrativas e 26 Unidades Multiplicadoras que beneficiaram 31 famílias da comunidade e outras circunvizinhas. As unidades funcionam como espaços de intercâmbio de conhecimentos sobre as práticas de agrofloresta e visam a segurança alimentar das famílias.

Mais de cem espécies compõem o arranjo produtivo da Agrodóia, desde frutas nativas, madeiras forrageiras, adubadoras de solo, mel de abelha nativa e africanizada, produção de palma, mandioca, cambuí, murta, entre outros. Vilmar Lermen, liderança da Agrodóia, é um dos responsáveis pelo forte movimento agroecológico na Chapada do Araripe,  transformando as Serras dos Paus Dóias em uma verdadeira agrofloresta.

“Nós, beneficiários, as famílias assessoradas, implantamos as tecnologias, fazemos a gerência da Agrodóia, somos a equipe técnica. Já conseguimos a implantação de 145 hectares de áreas de recuperação e 95 hectares onde foram implantadas as tecnologias. Com recursos do PRS Caatinga custeamos a Assistência Técnica. Com o apoio de parceiros do Projeto, como o CAATINGA (Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas) e a Fundação Araripe, já superamos nossas metas e capacitamos muita gente que chega às nossas comunidades para fazer estágio, cursos e treinamentos”.

Vilmar destaca que, antes de impulsionar o mercado desses produtos, é importante garantir que os próprios produtores tenham acesso ao que produzem. “Vendemos muito licor de cambuí e geleias na Fenearte (Feira Nacional de Negócios do Artesanato), no Recife. Mas essa feira só ocorre uma vez ao ano. Ainda estamos buscando esses mercados, mas já percebemos que o produto se destina a um público mais seleto. Não adianta inserir esse produto em grandes comércios, quando quem produz não vai ter poder aquisitivo para comprá-lo. Primar por essa lógica muitas vezes nos custa estar fora de alguns mercados”, lamenta.

Outra iniciativa de sucesso apoiada pelo PRS Caatinga é o Arranjo Produtivo Local do Licuri, em Monte Santo e municípios vizinhos, no território de Sisal, no norte da Bahia. O fruto é um coquinho que nasce em uma palmeira típica da Caatinga e é usado como matéria-prima para doces, cervejas artesanais, licores, geleias, óleo para fabricação de cosméticos, dentre outros produtos que aos poucos se tornam conhecidos por um público mais amplo e ganham espaços nos mercados, como fonte de renda para muitas famílias sertanejas.

A extração do licuri faz parte da vida de Gerusa Alves, 24, que desde criança convive no contexto da agricultura familiar. Apesar de muito jovem, ela é presidente da Associação Comunitária Terra Sertaneja (Acoterra), instituição apoiada pelo Projeto. Há mais de 15 anos, a Associação, junto à Escola Família Agrícola do Sertão (Efase), vem aprimorando as práticas extrativistas e de beneficiamento do fruto. Ao longo dos anos de trabalho da Acoterra, Coopersabor, Aresol e outras iniciativas que beneficiam o licuri, algumas tecnologias, como a despeladeira, quebradeira, extratora de óleo e filtro vêm fazendo a diferença.

Gerusa ressalta a importância de manter a tradição do licuri nas comunidades entre as novas gerações. “A mulher sempre foi protagonista na produção do licuri, mas esse não era um trabalho muito reconhecido. Com o apoio do PRS Caatinga, a Acoterra e instituições parceiras vêm fortalecendo esse protagonismo juvenil e feminino. A minha avó era catadora de licuri, a minha mãe também chegou a catar, mas eu não cato. São culturas que, se não evidenciamos, começam a se perder”.

A presidente da Acoterra relembra que, em uma das ações apoiadas pelo PRS Caatinga, foi montada uma licuriteria com variados produtos derivados do fruto: biscoito, cerveja, balas, dentre outros. “O sentimento do pessoal mais velho em ver esses produtos era de pertencimento, isso aumentava o desejo de comprar e experimentar por ser de licuri. Já o público mais jovem, que não tinha essa mesma proximidade, demonstrou uma certa resistência, por não conhecer. Se essa questão cultural não for trabalhada, a identidade vai ficando para trás e isso pode afetar o mercado desses produtos”, alerta.

Quanto aos APLs do Licuri, Andreson de Souza, vice-secretário da Acoterra, questiona o fato de que, em sua região, ainda não se beneficia nem 10% do licuri que se produz e pontua que a adoção do método com Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF), implantado por meio de ações do PRS Caatinga, vem sendo uma aliada na promoção do extrativismo sustentável sem desmatamento com a manutenção de uma produção diversificada.

DO PIAUÍ PARA O MUNDO-Já no município de Simplício Mendes (PI) quem nos ajuda a contar a história de êxito da produção de mel de abelha aliada a tecnologias de baixo carbono é a Cooperativa Mista dos Apicultores da Microrregião de Simplício Mendes (Comapi), que além do mercado nacional atende também o mercado externo, principalmente o norte-americano.

Um dos diferenciais na produção de mel no Piauí é a capacidade de desenvolver uma produção orgânica. Sérgio Viana, gerente geral da Comapi, explica que isso se deve às condições climáticas favoráveis da região. Essa produção é feita aliada às plantas nativas, o que prima pela conservação das florestas. Além de atender a todos os requisitos legais para alcançar o mercado estadunidense, a cooperativa também se adequa ao mercado europeu. Há procura também por parte dos consumidores árabes e asiáticos. “Cada mercado exige requisitos diferentes. A Comapi tem essa característica de conseguir que o mel tenha esse padrão, qualidade e atenda as exigências legais para acessar esses mercados”, pontua Viana.

Dentre as grandes dificuldades apontadas para o avanço do setor e para a conservação do bioma, a vice-reitora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Lúcia Marisy, destaca a falta de priorização e investimentos voltados à Caatinga. Segundo ela, isso se deve à falta de informação, preconceito e ausência de mobilização política. “Do ponto de vista legal, a Caatinga ainda não se constitui como bioma e os recursos destinados ainda são reduzidos. Precisamos inserir essa reivindicação como pauta no Congresso Nacional”, defende.

Apesar das grandes potencialidades, ainda são muitas as fragilidades que os APLs parceiros do PRS Caatinga apontam quando o assunto é a projeção para o mercado para além do comércio em feiras locais. Dentre os desafios, estão a ausência de políticas públicas, de capital de giro para investir; as mais variadas dificuldades para obter certificações exigidas; escassez de tecnologia da informação e domínio dessas ferramentas; deficiência na área de comunicação e marketing; e falta de experiência em gestão de negócios.

Um ponto interessante observado por Alexandre Lage, economista e assessor técnico da Central do Cerrado, é a necessidade de quebrar o mito de que a Agricultura Familiar produz em baixa escala ou que não há profissionalismo neste trabalho. “Muitas vezes, o que falta é capital de giro para gerar estoque. O que percebo em cooperativas que trabalhamos é que muitas delas possuem uma capacidade de produção ociosa, ou seja, deixam de produzir por não terem certeza da venda. A oferta e a demanda precisam caminhar lado a lado, um planejamento de médio e longo prazo são estratégias importantes”.

Outro aspecto limitador é a dificuldade em conquistar selos e certificações dos produtos. Além dos obstáculos relatados por Vilmar Lermen para emplacar o licor de cambuí no mercado devido às grandes exigências quanto às certificações, no município de Pintadas (BA), ocorre algo semelhante. Segundo Valdirene Santos, presidente da Ser do Sertão, cooperativa apoiada pelo PRS Caatinga, a comercialização do leite de cabra produzido em sua comunidade esbarra em alguns gargalos. “A aceitação do mercado existe. As pessoas querem comprar o leite e os processados, contudo não temos ainda condições de processar esse leite da forma como exigem. A Lei é muito rígida, o produtor precisa ter toda documentação e inspeção para oferecer o produto ao mercado. É necessária também uma estrutura específica”.

Já no cenário da apicultura no Piauí, em relação ao mercado, o gerente da Comapi, Sérgio Viana, afirma que o mel é visto como uma commodity, mesmo não sendo. “Isso é ruim porque, não sendo uma commodity, não há ferramentas de controle que garantam a estabilidade nos valores. Daí ficamos reféns da oscilação,” explica. Viana destaca, ainda, que apesar do interesse do mercado exterior na produção brasileira de mel, o produto ainda não é bem consumido e demandado em nível nacional e regional.

Especialista em Sociobioeconomia do PRS Caatinga, Luciana Villa Nova lembra que a inserção dos agricultores familiares neste mercado emergente depende de várias condições. Segundo ela, inicialmente seria necessário identificar essas possibilidades e quais produtos se adequam melhor a estes mercados, seja por meio de políticas públicas voltadas para o fornecimento de alimentos para a merenda escolar da rede pública de ensino, por exemplo, ou regionalmente, com acesso aos pontos de vendas locais.

Outro ponto, segundo Villa Nova, é identificar toda a técnica produtiva necessária para se atingir estes mercados. “Esta inteligência em rede, logística, este sistema produtivo regional na Caatinga tem uma força impressionante. É uma característica de toda a região nordeste, que tem uma inteligência social muito interessante nas redes de comercialização. Isso facilita porque diminui o mau atravessador, fortalece os negócios sociais e melhora o ganho econômico do produtor e propicia o seu crescimento”.

A especialista também considera importante o aprimoramento da gestão dos arranjos produtivos na qualidade de negócios. “É isso que o PRS Caatinga pretende: trazer cada vez mais conhecimento aos agricultores familiares e informações sobre como eles podem acessar mercados no Brasil e no mundo,” diz.

Um excelente exemplo de como a produção de agricultores familiares da Caatinga possui potencial de mercado e expansão, além de fazer diferença na vida de todas essas famílias envolvidas, é a Central da Caatinga. Às margens do Velho Chico, na orla de Juazeiro da Bahia, ergue-se o Armazém da Caatinga, espaço fruto do trabalho de agricultores familiares da região em comunhão com uma feira agroecológica que ocorre ao lado. Coordenadora Institucional e de mercado, Denise Cardoso conta que o local funciona como um mercado de produtos da Economia Solidária, administrado pela Central da Caatinga, articulação de organizações socioeconômicas de agricultores e agricultoras familiares do Semiárido brasileiro.

Inaugurado em 2016, o Armazém reúne produtos de 15 cooperativas filiadas. A venda dos produtos beneficia quase 2.000 famílias atendidas diretamente pela Central e dá visibilidade a itens produzidos, não só por essas cooperativas, mas também por outros empreendimentos da agrobiodiversidade brasileira. Já são mais de 800 tipos de itens nas prateleiras. Muitos possuem certificação orgânica e selo da Agricultura Familiar. Além da loja física, qualquer pessoa pode comprar os produtos comercializados no Armazém por meio do site.

Cardoso acredita que, para aprimorar o escoamento da produção para o mercado, é imprescindível que os Arranjos Produtivos Locais contem com assistência técnica especializada. Não só para o campo e processamento, mas também nos âmbitos da gestão comercial, financeira, da comunicação e com relação à área das certificações. Desta forma, a Caatinga poderia se tornar um grande fornecedor de alimentos saudáveis e sustentáveis e atender a um mercado em franca expansão.

“O grande negócio está de olho nisso, mas precisamos também estar atentos a grandes empresas que se aproximam querendo apenas as nossas histórias. Essa relação entre o comer bem deve ser acessível para todos, inclusive para quem produz. O que vai nos levar a baixar os custos para que o produto seja acessível é o investimento em políticas públicas e tecnologias. Sem isso não vamos conseguir porque o grande negócio conta com muito investimento, tornana-se competitivo e passa por cima da agricultura familiar como um trator”, pontua.

INICIATIVAS AGROECOLOGICAS-Ao todo, 20 instituições parceiras do PRS Caatinga contribuem com a iniciativa ao mesmo tempo em que são apoiadas pelo Projeto na execução de suas atividades. A atuação se dá em comunidades de cinco estados do Nordeste: Alagoas, Bahia, Pernambuco, Piauí e Sergipe.

Em quase três anos de duração, o Projeto já está em sua fase final e comemora os frutos colhidos até aqui. Inicialmente, os esforços do PRS Caatinga se concentraram na capacitação profissional e estudos sobre o tema. Cerca de 700 pessoas foram treinadas e, em seguida, esse conhecimento foi levado a campo por meio de profissionais de Assistência Técnica Rural (Ater) aptos a multiplicarem as Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono (TecABC) em comunidades mapeadas.

“Observamos que as propriedades de agricultura familiar na Caatinga são muito pequenas, geralmente com cinco hectares. Isso é completamente diferente dos outros biomas. Nós vimos a necessidade de se produzir várias coisas em uma única área muito menor. Aquele produtor familiar, além de ter a sua roça para plantar frutas para o extrativismo, tem horta, aves, caprinos e ovinos. Entender todo esse sistema tem sido essencial para desenvolver a agricultura de baixo carbono na região”, constata Renata Barreto, coordenadora científica do PRS Caatinga.

Um outro estudo importante realizado pelo projeto observou a ausência de Assistência Técnica qualificada, na região, para atender aos objetivos do PRS Caatinga. E foi aí que surgiu a demanda por capacitações. Com parceria da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), foi promovido um curso de especialização e de extensão em Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono com o fortalecimento das Tecnologias Sociais de Convivência com o Semiárido.

Metas
1.509 produtores rurais mobilizados

600 hectares manejados de forma sustentável

200 hectares de áreas preservadas em propriedades privadas

15% de incremento na renda das famílias

200 hectares de área restaurada

20 mil toneladas de emissão de carbono evitadas

Adoção de tecnologias sociais inovadoras em água e energia

Francisco Campello, coordenador regional do PRS Caatinga explica que as Tecnologias de Baixo Carbono, na realidade, são praticamente as mesmas já trabalhadas dentro do conceito da Convivência com o Semiárido porque abordam os sistemas agroflorestais, os sistemas integrados e o uso sustentável do solo. A diferença é o olhar diferenciado para esses sistemas.

“Quando eu olho para um sistema sob a perspectiva de uma agricultura de baixo carbono, analiso qual é o impacto no solo; incorporo a cobertura com adição de matéria orgânica e de carbono; introduzo espécies florestais que fixam nitrogênio natural no solo, evito o nitrogênio químico, uma combinação de plantio que permite mexer pouco com o solo, com insumos locais. A partir do momento que se usa a vegetação de forma correta, evita-se a degradação do bioma e as emissões de carbono e se possibilita a geração de renda,” explica Campello.

Agencia Eco Nordeste