Uma das formas de retenção de talentos pelas empresas diz respeito aos modelos de remuneração e de garantias que possam fidelizar o empregado, de modo a que ele possa encontrar no ambiente de trabalho segurança e realização pessoal e profissional.
Todavia, pairam, sobre essa prática, aspectos legais relevantes para que o teor do que fora contratado admita certa flexibilidade de transformação e adequação ao longo da prestação de serviços.
Desde a reforma trabalhista, pautada na valorização da autonomia da vontade, houve um alargamento da possibilidade flexibilização de condições contratuais.
E, no confronto da política de remuneração de incentivo adotada e a lei pode ocorrer a discussão em torno do direito adquirido, intangibilidade de contrato e salário, sempre tema relevante para o direito do trabalho em especial quando se trata de alteração contratual que implique redução de ganho do empregado. A legislação trabalhista e jurisprudência, pródigas no sentido de blindar direitos trabalhistas, deixam caminho muito estreito para que o empregador possa se utilizar de seu "jus variandi" quando se trata de condições salariais contratadas ou adquiridas durante a contratualidade sob as mais variadas denominações.
Deste modo, se a vantagem econômica for de natureza contratual, vincula-se ao pressuposto legal de "contraprestação pelo serviço contratado" (artigo 457, CLT) e, assim, ofende duas garantias asseguradas por lei: a proibição de alteração unilateral prejudicial ao empregado (art. 468, CLT) e redução do salário (artigo 7º, VI, CF).
Estaria aí, talvez, o aspecto relevante no momento da contratação e que vai produzir efeitos da natureza jurídica do que se pretende contratar e que poderia implicar efeitos fiscais ou trabalhistas.
As gratificações que decorram de ato de liberalidade do empregador, ou que se vinculam ao exercício de cargo, demonstram fragilidade quanto à sua permanência para o empregado, dada sua natureza efêmera e vinculada à condição principal para seu pagamento (cargo, por exemplo). Portanto, podem ser suprimidas a qualquer tempo de forma justificada: a primeira (concedida por ato de liberalidade), pela cassação do ato gerador que suprime a continuidade de pagamento. A segunda (vinculada a cargo), por extinção do exercício do cargo ao qual se vinculava, aplicando-se de forma inconteste, o §2º, do artigo 468, da CLT, introduzido pela Lei nº 13.467/17, com a reforma trabalhista.
Quando se trata de ato de liberalidade do empregador, o tempo e a habitualidade desempenham papel relevante para o intérprete avaliar o impacto de sua supressão, considerando-se nesta vertente, quanto à prescrição, o disposto no parágrafo 2º do artigo 11 da CLT, introduzido pela reforma trabalhista que absorveu o teor da Súmula 294 do TST.
O sítio do Tribunal Superior do Trabalho publicou, em 27/2/23, notícia de que a 8ª Turma da corte restabeleceu gratificação de motorista de ambulância, contratado pelo município de Tietê, em acórdão de relatoria da ministra Delaíde Miranda (Processo: RR-12591-17.2017.5.15.0111).
O fundamento trazido pelo acórdão, em decisão unânime, reformou o quanto decidido pelo TRT/15ª Região, com dois aspectos relevantes: primeiro, que o ente público, quando contrata servidor pela CLT, se equipara a empregador privado e, segundo; a revogação de gratificação por lei municipal implicou alteração contratual lesiva do contrato. No caso, ainda se agravou a restrição da alteração produzida porque a gratificação, contratada como benefício da prestação de serviços, jamais esteve vinculada a condição especial de função que sempre fora a mesma e, neste sentido, não se aplica a supressão pela perda de cargo e, menos ainda, a de alteração de regulamento da empresa, a teor da Súmula 51, do TST.
Embora o caso em análise, por se tratar de município, não se enquadre nos modelos de contratação de talentos da iniciativa privada, evidencia-se, pelo que se vê, a importância da adequação jurídica de prática de contratação de remuneração que deverá considerar os possíveis efeitos de flexibilização dos valores variáveis e condicionados a situações claras e que permitam às partes revisão constante do pactuado com segurança jurídica.
Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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