Há quatro anos, em 25 de janeiro de 2019, uma onda de 12 milhões de m3 de rejeitos de mineração contaminou o rio Paraopeba, na Bacia do rio São Francisco, impactou a vida em 26 municípios, deixou aproximadamente 272 mortos (quatro seguem desaparecidos), além de destruir 297 hectares de Mata Atlântica e uma grande diversidade de fauna e flora em Minas Gerais. A reportagem é do site Eco Jornalismo Ambiental, jornalista Adriana Amancio
Após quase meia década do rompimento da Barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho, o segundo maior desastre da mineração deste século segue sem data de conclusão para reparações ambiental e das vítimas.
A bacia do rio Paraopeba abastece 48 municípios e é um dos mais relevantes a desaguar no rio São Francisco, um dos mais importantes cursos d’água do país. O Paraopeba é essencial para a gestão hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte e a principal fonte de alimento e sobrevivência para os ribeirinhos. Antes do rompimento da barragem, a sua bacia hidrográfica mantinha uma rica biodiversidade que assegurava o equilíbrio ambiental da região.
O rio garantia a pesca, o cultivo de alimentos, a navegação, a diversão e mantinha uma cadeia turística que gerava renda para a população. O Paraopeba também tem um valor cultural e religioso para os povos tradicionais que o consideram sagrado, e os peixes, seus irmãos.
Pesquisadores e ambientalistas de Minas Gerais ouvidos pela reportagem de ((o))eco denunciam falta de transparência da Vale, empresa responsável pelas mortes e contaminação do meio ambiente, e investimentos controversos dos R$ 37 bilhões da indenização acordada na justiça por parte do governador Romeu Zema (Novo).
Segundo dados da própria Vale, a soma destinada aos projetos de infraestrutura (R$ 4,9 bi) e de fortalecimento do serviço público mineiro (R$3,6 bi) são superiores aos próprios investimentos na recuperação ambiental da bacia do rio Paraopeba (R$ 5 bi).
Até o fim do seu primeiro mandato, em 2022, Zema já havia destinado R$ 11 bilhões, dos R $37 bilhões do Acordo de Reparação Integral, pactuado pela Vale, o governo estadual, os Ministérios Público Estadual e Federal e a Defensoria Pública, para “todos” os outros municípios investirem em infraestrutura.
“O Estado pegou carona nos recursos do Acordo de Reparação com o aval da Assembleia Legislativa do Estado de Minas”, critica o coordenador do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais, que analisa o impacto da mineração em Minas Gerais, o pesquisador Marcus Vinicius Polignano.
Ambientalistas e políticos apontam que os gestores do estado pouco aprenderam com Brumadinho, e alertam para a possibilidade de novos desastres envolvendo a flexibilização da legislação em prol da mineração em território mineiro.
A deputada federal pelo estado de Minas Gerais, Duda Salabert, do PDT, diz que Romeu Zema deu continuidade no estado, à política antiambiental e antiverde de (do ex-presidente Jair) Bolsonaro, passando a boiada com a flexibilização das leis ambientais para as mineradoras.
“Zema é um político conhecido como office boy da mineração, justamente por uma gestão que está muito mais preocupada em facilitar a vida de novos empreendimentos de mineração do que modernizar a legislação ambiental e adaptá-la a esse cenário de crise climática e hídrica. A gestão do atual governador Romeu Zema é caracterizada por um total desrespeito às pessoas que foram vítimas dos crimes ambientais tanto em Mariana, quanto em Brumadinho. E parte do dinheiro que era para ser destinado às vítimas dos crimes que aqui aconteceram, está sendo destinado para ampliação do metrô, em Belo Horizonte e a construção do Rodoanel”, afirmou a deputada ao ((o))eco.
A fragilidade nas regras de análise e fiscalização de projetos de mineração no estado teria com objetivo facilitar a vida das mineradoras. O pesquisador Marcus Vinícius Polignano, afirma que, hoje, “os projetos de mineração chegam à Semad [Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável] cheios de promessas de ações ambientais e são aprovados sem um pente fino. Uma vez aprovados, serão fiscalizados pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que já chegou a ter menos de dez fiscais para dar conta de cerca de 800 barragens. Tem uma estrutura frágil, insuficiente e deficiente. Por isso, Mariana e Brumadinho eram tragédias anunciadas”, avalia.
Diante desse cenário político, os ventos pró-mineração devem seguir soprando. A sociedade civil aponta como uma possível nova tragédia anunciada, o Complexo Minerário da Serra do Taquaril. O projeto quase foi implementado na Serra do Curral, em Belo Horizonte, apesar de haver vários pontos pouco esclarecidos em seu licenciamento ambiental.
A falta de consulta às 37 famílias quilombolas que vivem na região acabou levando o Ministério Público Federal (MPF) a cancelar a autorização do projeto Taquaril por descumprimento do artigo 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina a escuta prévia, livre e informada da população atingida pela implantação de grandes empreendimentos.
Outra questão levantada pelo MPF foi o curto espaço de tempo entre o pleito para instalar o empreendimento e a concessão da autorização, o que não condiz com projetos deste porte. Segundo relatório divulgado pela Folha de São Paulo, o governador Zema está sendo investigado desde 2020, por ter facilitado o trâmite do processo, que ocorreu mais rápido do que os padrões para um projeto do porte do Taquaril.
BRUMADINHO PRECISA SER UM APRENDIZADO: O tamanho do impacto ambiental do rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho revela qual pode ser o custo da falta de rigor na implantação de um projeto de mineração. Passado quatro anos, muita pouca coisa avançou em termos de recuperação socioambiental.
Análises do Instituto Guaycui, uma assessoria técnica independente de apoio aos atingidos, reunindo amostras das águas subterrâneas e fluviais entre os municípios de Divisa do Curvelo/Pompeu e o vilarejo a beira do rio São Francisco, Pontal do Abaeté, em Minas Gerais, revelam que os sedimentos do fundo e da margem do rio Paraopeba, e muitas espécies de peixes, contém a presença de metais e substâncias como arsênico, cádmio, chumbo e mercúrio em níveis prejudiciais à vida aquática e aos seres humanos.
Nove de cada 10 amostras de fígado de um total de 396 peixes analisados, nos municípios de Curvelo e Pompéu, apresentaram concentrações elevadas de poluentes como alumínio, bário, cádmio, chumbo, cobre e ferro. Das amostras de filé analisadas, 30% estavam contaminadas.
Segundo o relatório, foram registrados 709 peixes de 34 espécies diferentes. As espécies que mais caíram na rede foram o mandi-amarelo, a piranha-branca (ou pirambeba) e o piau-três pintas. Após a coleta dos peixes, foi retirado um pedaço do filé e do fígado para analisar no laboratório e identificar substâncias como, por exemplo, os metais pesados A cada 10 filés de peixes analisados, 3 apresentaram concentrações dos metais acima do limite permitido. No caso das amostras de fígado, a cada 10 fígados de peixes analisados, 8 apresentaram algum destes elementos acima do limite permitido.
Os dados não mensuram o cenário ao longo de toda bacia, mas comprovam a presença dos contaminantes, mantendo a proibição de contato com o rio e impedindo o consumo humano do pescado.
O rompimento da barragem de Brumadinho despejou mais de 13 milhões de metros cúbicos de lama, que atingiram 26 municípios. De acordo com o coordenador de Análises Ambientais do Instituto Guaicuy, Bernardo Beirão, além dos rejeitos lançados, as ações no leito do rio Paraopeba para retirada dos metais, como a dragagem e a criação de contenções para evitar ou diminuir o carreamento dos rejeitos, implicaram em impactos secundários. E, também, tiveram um impacto relevante sobre as águas, o que demanda um diagnóstico mais preciso e ações de longo prazo pelo poder público.
Segundo o pesquisador do Guaicuy, a Vale não é transparente com o monitoramento que tem executado na região. Mesmo com apoio e cobrança do Ministérios Público Estadual e Federal de Minas Gerais, ele e outros pesquisadores alegam nunca ter tido acesso aos dados do monitoramento da empresa.
“É necessário que essas análises sigam sendo garantidas pelo poder público, e também pela própria mineradora, de forma detalhada e transparente, para que exista um material suficiente para conclusões. Sabemos que a Vale é cobrada pela Justiça de realizar um monitoramento da bacia, mas não temos acesso aos resultados e nem à metodologia utilizada pela mineradora, afirma Beirão.
Os pesquisadores apontam que os atingidos estariam de fora do processo de análise da contaminação. “A execução da ação de reparação está na mão da Vale. Criou-se uma Comissão de Compromitentes, que não tem um atingido, só tem representantes do Estado e da Justiça”, critica o coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus Polignano.
Segundo pesquisas, as águas do rio Paraopeba estão inapropriadas para todos os usos (nadar, potável, irrigação e outros) entre o trecho que vai de Brumadinho até a Barragem de Retiro Baixo. As amostras da água analisadas pelo Guaicuy, em fevereiro de 2022, mostram a presença de manganês em quantidades até seis vezes acima do permitido.
Já nas águas dos poços, coletadas na área 4, composta pelos municípios de Curvelo e Pompéu, foram encontrados alumínio, manganês e nitrogênio acima dos níveis permitidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Amostras dos sedimentos do fundo do rio também continham substâncias em níveis acima do permitido pela resolução nº 6 do Conselho Nacional do Meio Meio Ambiente (Conama).
Eco Jornalismo Ambiental Foto divulgação
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