Cerca de 311.850 cirurgias bariátricas foram realizadas no Brasil nos últimos cinco anos. Dados da Agência Nacional de Saúde (ANS) mostram que 252.929 foram realizadas por planos de saúde, 14.850 de modo particular e 44.093 pelo SUS.
A partir deste ano, se forem aprovadas pelo Conselho Federal de Medicina, as regras para indicação de cirurgia bariátrica e metabólica devem mudar no País.
Se as novas diretrizes forem modificadas, o IMC (Índice de Massa Corporal) mínimo deve ser de 35kg/m², caso não existam comorbidades; já pacientes com doenças associadas à obesidade poderiam se submeter à cirurgia bariátrica com IMC a partir de 30kg/m².
Marco Aurélio Santos, professor livre docente associado da Faculdade de Medicina da USP e diretor da Unidade de Cirurgia Bariátrica e Metabólica do Hospital das Clínicas, explica essas novas mudanças. “Dado o grande impacto que a cirurgia bariátrica tem no controle da diabete, recentemente, no Brasil, foi aprovada uma resolução, pelo Conselho Federal de Medicina, que autoriza a indicação cirúrgica nos índices entre 30 kg/m² e 35 kg/m², na presença de diabete com características de gravidade maior e que seriam beneficiadas pelo tratamento cirúrgico”, diz ele. São resoluções que ainda precisam ser avaliadas no contexto nacional.
Uma vez contemplados os critérios de indicação cirúrgica, é necessária uma avaliação pré-operatória, que envolve o que se chama de avaliação multidisciplinar e que abrange os campos nutricional, psicológico, endocrinológico, todas condensadas com a avaliação crítica da indicação cirúrgica pelo próprio cirurgião bariátrico. Popularmente, a cirurgia bariátrica é conhecida como cirurgia de redução de estômago, e de fato, tecnicamente, há uma redução do volume e tamanho da câmara gástrica. Deve-se observar, porém, que a cirurgia bariátrica não é estética e que há um grande número de atendimentos particulares, demonstrando uma situação muito grave, destaca Wilson Salgado Júnior, professor do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.
“Ela tem indicação muito clara, muito precisa, para índices de massas corporais adequados aceitos, que já tentaram tratamento clínico prévio. O que depende é do critério do cirurgião, que tem que ser ético o suficiente para seguir a lei. Se não tiver seguindo a legislação que existe, ele está fora da lei e pode ser processado por isso. Agora, esses dados da ANS mostram uma outra preocupação. É que existem muito poucos serviços do SUS (Sistema Único de Saúde) que fazem cirurgia bariátrica e esse é o grande problema. Nós temos uma fila de espera no SUS gigantesca”, complementa Salgado.
Por outro lado, deve se levar em conta que cirurgias particulares são mais atraentes para os médicos por conta do retorno financeiro. “Realmente não é atrativo para os hospitais, para os médicos, fazerem cirurgias no SUS, apesar de o Ministério da Saúde ter uma cobertura até adequada. Um médico aí fora, num convênio particular, ganha muito mais.” O desafio que se impõe é exatamente esse, mostrar que mais serviços do SUS devem ser abertos.
“Nós temos que ter mais serviços públicos para poder operar esses pacientes de cirurgia bariátrica que não têm convênio. Nós temos percebido cada vez mais o aumento. Além da pandemia da covid ter aumentado a obesidade na nossa população, muitos pacientes que tinham convênio o perderam por questões econômicas. Então, todos foram para onde? Para o SUS. Nós estamos tendo grande afluxo de pacientes obesos e nós não temos condições de operar na quantidade que seria necessária.”
CIRURGIA NÃO FAZ MILAGRES: Salgado observa que a cirurgia não é milagrosa e exige uma grande quantidade de exames no pré-operatório. “Nós fazemos com que o paciente perca peso para operar, porque isso diminui a chance de ter complicações cirúrgicas.” Por outro lado, a perda de peso implica diminuição de malefícios como diabete, hipertensão, reduzindo ainda os riscos de uma pneumonia, o que facilita as coisas para o cirurgião, embora sempre existam os riscos de complicações. “A chance de morrer numa cirurgia bariátrica hoje é muito baixa, menos de 1%, mas, sem dúvida nenhuma, não é zero, nenhuma cirurgia tem risco zero. Se você vai tirar uma unha do dedo do pé, pode complicar e você pode morrer.”
No mais, trata-se de uma cirurgia “grande”, em um paciente grande, que tem doenças associadas, como diabete e hipertensão, o que significa um procedimento que deve ser feito com critério para evitar riscos como sangramento ou embolia pulmonar, por exemplo. “São complicações tanto cirúrgicas quanto clínicas”, ressalta o especialista, que também aborda os cuidados que se deve ter no pós-operatório.
“As complicações precoces são geralmente as complicações cirúrgicas. A longo prazo são as desnutrições e o paciente pode voltar a ganhar peso. Pode acontecer, sim. Desde que o paciente desgarre da equipe multiprofissional que cuida dele.” A desnutrição, frisa ele, é um problema que não pode ser negligenciado: “A gente fica sempre atento. Por isso que nós não damos alta para o nosso paciente, nós continuamos acompanhando para o resto da vida para fazer exames. Nós passamos remédios que o paciente deve tomar no pós-operatório, passamos as orientações nutricionais para priorizar os alimentos que são mais importantes para eles. Isso é fundamental”. Não bastasse isso, alguns pacientes têm compulsão alimentar e problemas de ansiedade e descontam no alimento, mas como o tamanho do estômago está muito reduzido e o alimento já não consegue ser ingerido na quantidade a que se estava acostumado, o paciente já não pode utilizá-lo como válvula de escape e pode partir para outras coisas, como álcool e drogas, facilitando a instalação de quadros de depressão e até de suicídio.
A recuperação de peso no pós-operatório pode acontecer, uma vez que, segundo Salgado, os pacientes tendem a usar táticas para enganar a cirurgia. “Começam a beliscar pequenas quantidades de alimento ao longo do dia, comer comidas hipercalóricas, bebida alcoólica. Bebida alcoólica é extremamente calórica, mais calórica do que açúcar. Param de fazer atividade física. A recuperação de peso que a gente chama recidiva da obesidade é uma coisa que acontece, sim. A gente acha que acontece em até 35% dos pacientes. E nós sabemos que o paciente pode voltar a ganhar peso, até ficar no mesmo peso ou até maior que era antes da cirurgia. Se a pessoa não se cuidar, se ela some das consultas, se psicologicamente ela não está bem, se ela não tem um seguimento, essa é a grande preocupação que nós temos.” Ainda de acordo com o médico, após a cirurgia existe uma mudança na forma de se alimentar. Quem antes comia cerca de 1kg de comida em 5 minutos vai passar a levar meia hora para comer 100 gramas. Na verdade, nos primeiros 15 dias a alimentação é exclusivamente líquida.
SERVIÇO DE QUALIDADE: Salgado recomenda que quem pensa em fazer cirurgia bariátrica deve procurar um serviço que tenha uma equipe bem constituída, de preferência da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica. “Fuja do cirurgião que lá na primeira consulta já fala em operar na semana que vem. Isso não existe. Existe um tempo de preparação, de avaliações que devem ser feitas. Não dá para pensar em uma cirurgia que aconteça na semana seguinte. Se ele resolver fazer a cirurgia em você, está fora da lei. Tem que dar a chance de você perder peso de outras formas, com uma equipe. Se o cirurgião segue as normas direitinho, com uma equipe por trás que tenha todo esse acompanhamento, sem dúvida nenhuma a chance de resultados positivos é muito maior.”
Jornal USP
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