Pesquisa mostra que inadimplentes se sentem desrespeitados na hora da cobrança

O grande impacto causado pelo endividamento na vida pessoal dos brasileiros serve como um sinal de alerta para o setor de crédito e cobrança reavaliar os atuais modelos de abordagem.

Essa é a análise feita por especialistas da área a partir dos dados da 4ª edição do Raio X dos Brasileiros em Situação de Inadimplência, pesquisa realizada pela MFM Tecnologia e pelo Instituto Locomotiva.

O levantamento, feito entre os dias 19 e 28 de setembro com 1.020 mulheres e homens maiores de 18 anos em todo o território nacional, revela que 84% dos endividados acreditam que as dívidas impactam negativamente no seu estado emocional, incluindo a sua felicidade (82%), sono (81%) e autoestima (81%).

Os resultados foram apresentados pelo diretor de Pesquisas do Instituto Locomotiva, João Paulo Cunha, em evento realizado no auditório da Distrito Fintech, na capital paulista, seguido por um debate mediado por Luiz Sakuda, diretor de Inovação e Marketing na MFM Tecnologia, com profissionais da área de grandes empresas, em 16 de novembro.

Para Gustavo Mendes, Head of Strategy e Risk & Collection da Localiza, o fato de as dívidas tirarem o sono de 81%, e afetarem até as suas relações amorosas (66%), mostra a necessidade de uma cobrança mais humanizada. Assim, não dá para simplesmente colocar um robô cobrando a dívida, é preciso haver uma escuta ativa do cliente para entendê-lo melhor e então ajudá-lo a conseguir pagar o que deve. "É o ponto de pensarmos em ensinar o cliente a resolver a vida financeira dele para que ele consiga viver melhor", disse.

Karina Diniz, Head de Cobrança Digital da Omni Conectado, destacou que as pessoas se sentem desrespeitadas no ato da cobrança, fato que a pesquisa revelou gerar 74 pontos menos no Net Promoter Score (NPS) das cobradoras, aumentando a massa de detratores das marcas. Segundo o levantamento, os inadimplentes se sentem desrespeitados no processo de cobrança, especialmente pelas empresas de contas básicas (51%), celular (50%) e internet/TV a cabo (49%). Para a maioria do endividados – 67% dos que têm dívidas em dia e 60% do inadimplentes -, as empresas se importam apenas com seu lucro, não com os consumidores.

Para Karina, as empresas precisam entender a inadimplência como ponto temporal, ou seja, o cliente "está inadimplente". E, nesse contexto, elas podem transformar esses clientes em engajados com a marca, quando a situação atual é resolvida da melhor forma. "Para manter este cliente e engajá-lo é preciso tratá-lo com respeito", disse a executiva.

Diego Galvan, Superintendente de Crédito do Banco Original, disse que diante dos dados, é preciso ter um cuidado maior para não perder o cliente. "Antigamente, para se ter um cartão de crédito, era por grandes bancos, algumas poucas bandeiras e anuidade. Hoje há muito mais ofertas de cartões e sem anuidade e na hora de escolher quem vai pagar, certamente será aquele que trata melhor", afirmou.

Estratégia em canais

Galvan lembrou que a cobrança é disparada como uma metralhadora – via SMS, WhatsApp, "sinal de fumaça" – e questionou se esta é mesmo a melhor estratégia. Ele reforçou a importância de se analisar os dados mais atentamente a fim de definir novas estratégias em busca de melhores resultados.

Na avaliação do executivo, se a maior parte dos entrevistados na pesquisa alega "sentir-se mal por ter dívidas", é porque a maioria deseja pagá-las. "Este fato já nos induz a ser necessariamente omnichannel e dar a essas pessoas a oportunidade de pagar o quanto e por que canal lhes convém", disse.

Para Luiz Sakuda, Diretor de Inovação e Marketing na MFM Tecnologia, a tecnologia permitiu a abertura de novos canais digitais para cobrança de dívidas, mas não basta ampliar o alcance para conseguir resultados. Nesse sentido, a relação cobrança e consumidor carece de uma integração importante. "Esses novos meios de acesso devem ser acompanhados de uma análise de dados que possibilitem traçar um perfil do inadimplente, para que a empresa ofereça condições que deixem as partes mais próximas do acordo. Além disso, é preciso associar as oportunidades de renegociação de dívida com a educação financeira, ajudando a evitar que o consumidor volte à condição de inadimplente. Isso permite que ele continue e até amplie a sua relação com marca", afirmou.

Karina afirmou considerar que "a verdadeira transformação digital é aquela capaz de alterar a antiga visão dos dados e personalização da cobrança". Segundo ela, trata-se de um novo olhar, que considera a personalização da cobrança, com o entendimento sobre quem cobrar, do que apenas sobre "quantas vezes". É também escolher o melhor canal para se conectar com os clientes, não somente com qual prestador de serviços terceirizar. "Precisa ser persistente na análise dos dados, das ações, dos testes e não achar que dá para vencer pelo cansaço nas cobranças diárias", completou.

Cobrança como unidade de negócio

Na visão de Rafael Russo, Head de Cobrança da Claro Brasil, a consolidação da cobrança como uma unidade de negócio é a grande tendência do setor. Isso porque ela deixou de atuar somente no devedor e passou a assumir o papel preventivo de facilitar o acesso aos canais de pagamento, recuperar o cliente e mantê-lo consumindo a marca na fase em que ele ainda está encantado com ela.

Russo disse acreditar que essa atuação vá além da facilitação do pagamento e do desconto, para uma estratégia de educação financeira. "Não adianta eu parcelar o pagamento de alguém, sem ajustar seu plano para que condiga com a sua realidade. Se ele não consegue pagar R$ 100, não faz sentido colocar uma parcela ainda maior na negociação", afirmou.

Mendes afirmou que a adoção de indicadores modernos mostra que área de cobrança é também uma área de negócios. Isso, na sua opinião, é provado, por exemplo, por conceitos como o "churn involuntário evitado", que ajudarão a dar à área a devida importância na retenção de clientes e, consequentemente, de receita. "Tudo é baseado em dados", disse. E conseguir capturar em dado momento e reverter a situação financeira do cliente para trazê-lo de volta é, para ele, a forma de mostrar a importância de ter o setor valorizado nas empresas.

Cenários e alertas para o futuro

O executivo da Claro previu ainda que não sobrará dinheiro na mesa como sobrou na pandemia. A pesquisa revela, por exemplo, que seis em cada 10 pessoas que recebem o Auxílio Brasil e estão endividadas pretendem usar o benefício para pagar débitos em aberto.

"O Auxílio Brasil vai ser usado para pagar as contas de consumo, básicas e comer; a vida está mais cara, o combustível mais caro, a inflação mais alta", disse Russo. Para ele, os primeiros seis meses de 2023 serão como "uma super onda" que, se o setor não souber contingenciar no começo da estratégia, representará perda de base, PDD e outras consequências. "Ficar de olho no começo da régua", na opinião do executivo, é o que vai evitar de o setor não acabar "na areia".

Karina, por sua vez, fez projeções para os próximos dois anos de uma cobrança desafiadora, por conta das 'bolhas' formadas tanto pelos que prorrogaram os pagamentos em razão da pandemia quanto pelos que estão inadimplindo neste momento. "Por isso, quem engajar melhor o cliente vai sentir menos impacto por manter a base forte. Há, também, muita oportunidade e versatilidade ao melhor utilizar a experiência vivida até aqui", disse. 

Ascom