O resultado da eleição repercute também no âmbito da saúde pública. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva possui desafios consideráveis a serem enfrentados nesta área.
“O Brasil tem uma capacidade no campo da saúde que é invejada por muitos países. A capilaridade do sistema público de saúde é algo impressionante: ele tem postos de saúde, pronto socorro, ambulatórios especializados e hospitais espalhados por todo o Brasil. Ainda não é o ideal, mas a gente tem uma rede regionalizada e hierarquizada de serviços públicos de saúde capaz de oferecer uma atenção à saúde de qualidade, resolutiva e eficaz para o cidadão. Isso ficou muito demonstrado e provado durante a pandemia. Mas agora, com a pandemia diminuindo, os problemas começam a aparecer”, pontua o professor Fernando Aith, da Faculdade de Saúde Pública da USP e diretor do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da USP.
Mesmo que o sistema público de saúde brasileiro seja um exemplo no cenário internacional, o novo governo enfrentará desafios para reestruturá-lo e melhorá-lo.
“Podemos dividir os desafios em três grandes eixos principais: o primeiro seria o financiamento do Sistema Único de Saúde. O SUS sofre com subfinanciamento, na verdade, desde que ele foi criado em 1988. São eternas as discussões de como financiar adequadamente um sistema público universal, solidário e gratuito para 215 milhões de pessoas e, até hoje, não achamos a boa equação de financiamento do SUS”, analisa Aith.
Esse quadro foi agravado com a emenda constitucional número 95, aprovada durante o governo de Michel Temer, em 2016. Ela limitou os gastos primários da União e sufocou ainda mais o financiamento da área da saúde. “ Esse sufocamento foi relativamente resolvido com a pandemia, mas não serviu de nada, porque o dinheiro que veio para o SUS para pandemia foi para a pandemia e acabou agora. A gente volta ao cenário anterior, que é um cenário de restrição bastante radical, um subfinanciamento crônico que o novo governo vai ter que enfrentar”, esclarece Aith
O segundo, conforme o professor, é reestruturar as políticas, sobretudo a política de atenção básica. A carência de médicos é um fator importante dentro desse obstáculo. A implementação de políticas de saúde mental, principalmente após a pandemia, e a retomada com o Programa Nacional de Imunização somam-se à lista: “Estamos muito preocupados com a baixa taxa de vacinação de doenças que geralmente a gente tinha um bom quadro vacinal. A própria poliomielite, o sarampo, dentre tantas outras que estão no nosso calendário anual de vacinação e que foram muito negligenciadas nesses últimos, pelo menos, cinco anos”.
O último eixo diz respeito à democracia: “O terceiro eixo é resgatar a democracia participativa, é o que eu chamo de democracia sanitária. É resgatar os órgãos colegiados que existiam dentro do SUS, dentro do Ministério da Saúde, para discutir os grandes problemas nacionais de saúde e encontrar as melhores soluções, que são sempre dadas quando a gente tem um bom debate público com todos os especialistas, pacientes e associações interessados participando”, explica Aith
SOLUÇÕES: “O financiamento, os recursos do SUS saem do Tesouro. É uma solidariedade pública nacional: nós pagamos impostos e, com dinheiro desses impostos, a gente financia esse sistema público universal e gratuito”, comenta o professor. Algumas soluções possíveis para os desafios seriam aumentar os recursos do Tesouro por meio de uma maior participação do Governo Federal e dos Estados, já que Aith aponta que os municípios são os que mais investem, proporcionalmente, nesse sistema.
Além disso, existem debates voltados para a melhor aplicação dessas verbas e para a incorporação de novas tecnologias. O professor cita o exemplo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, que foi muito sucateada durante o atual governo. A atuação dela precisa ser autônoma e participativa, mas sofreu muita pressão política, como no caso da cloroquina.
Aith acrescenta: “Para aplicar as verbas onde nós mais precisamos, precisamos usar a ciência, os dados epidemiológicos para entender quais são as nossas prioridades e necessidades de saúde. Destinar os recursos públicos, que são finitos, da melhor forma possível para financiar esse sistema é um dos grandes desafios que nós temos hoje”.
Jornal da USP Foto Agencia Brasil
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