O Brasil perdeu quase 800 bibliotecas públicas em cinco anos, como mostra a base de dados do Sistema Nacional de Bibliotecas (SNBP): o País passou de mais de 6 mil unidades em 2015 para 5,2 mil em 2020.
E, para se manter atuantes, algumas buscam soluções alternativas e adotam eventos culturais presenciais e a distância e disponibilizam o acervo para leitura digital.
A Biblioteca Sinhá Junqueira, de Ribeirão Preto, é um exemplo. Para sobreviver, com acervo de 14 mil livros e obras raras, foi totalmente reformada e adaptada para abrigar, além do acervo, 30 computadores, 15 salas de leitura e estudo, auditório com 60 lugares, sala com equipamentos de acessibilidade, elevadores, brinquedos e jogos, cafeteria e agenda cultural mensal. Assim, só até o mês de agosto deste ano, atendeu 107 mil pessoas, com média de mais de 600 visitantes por dia.
O coordenador da Sinhá Junqueira, o historiador e biblioteconomista Ciro Monteiro, diz que, para a reestruturação, buscou referências em duas bibliotecas da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo que ficam na capital paulista. Uma delas é a Biblioteca de São Paulo, que, segundo Monteiro, possui um conceito de biblioteca vindo da Colômbia, as bibliotecas parques. São instituições que têm “leitura de mundo de apropriação do espaço pela comunidade, pelos coletivos e de construção coletiva de um espaço cultural, de um espaço de leitura”. Além da Biblioteca de São Paulo, a Villa Lobos também foi fonte de inspiração para a Sinhá Junqueira, informa o historiador.
O esforço do setor é reconhecido pela professora Márcia Regina da Silva, especialista em biblioteconomia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Mas, para enfrentar a questão geral, segundo Márcia, é necessário um projeto político que envolva investimentos e participação social. A professora lembra que, embora haja muitas bibliotecas que são referência no Brasil, grande parte dos municípios brasileiros nem sequer possui biblioteca ou os que as possuem as transformam em depósito de obras que estão sendo perdidas por falta de política de preservação.
Mesmo que a leitura digital tenha ganhado espaço e diminuído a procura física por livros, Márcia destaca a importância da biblioteca na formação cultural da sociedade. “Nós sabemos que a frequência da biblioteca vem sendo deslocada do interesse pelo acervo somente, já que hoje temos maior acesso aos acervos digitais; no entanto, a biblioteca é um equipamento de formação e cultura que tem uma importância singular para a sociedade”, afirma a professora.
Bibliotecas brasileiras, “seguindo modelos até de outros países, passaram a ser um instrumento de cultura e lazer para a comunidade”, analisa Márcia, adiantando que essas mudanças só acontecem com “investimento para modernização dos prédios das bibliotecas, priorizando o conforto com espaço para promoção de atividades diversificadas como exposições, apresentações musicais, e dança”.
E os investimentos também são necessários para a digitalização de acervos para o acesso remoto, o investimento em serviços de armazenagem, “como o armazenamento em nuvem, que são a conservação de arquivos fora das máquinas; investir em plataformas digitais, impressoras 3D para ampliar as possibilidades de aprendizagem na educação e para incentivar o empreendedorismo, diversificando e atualizando o acervo”.
Além da necessidade de investimentos para a adequação física e digital, Márcia lembra da promoção da diversidade de recursos informacionais e do empréstimo de equipamentos e cita o exemplo da Biblioteca das Coisas, que é uma biblioteca que incentiva o empréstimo de objetos”.
Márcia defende as novas funções da biblioteca, observando também a necessidade de promover o desenvolvimento de competências em formação, com capacitação e treinamento para as inovações. Mudanças estas que “já vêm acontecendo em algumas bibliotecas e deveriam estar presente com mais frequência em todas. A ideia é que todos pudessem fazer esses investimentos se tivessem esses recursos”.
A professora lembra que a Biblioteca Sinhá Junqueira, de Ribeirão Preto, “até um tempo atrás era denominada biblioteca cultural Altino Arantes, recebeu investimento de R$11 milhões para reforma do casarão histórico e também para construção da nova área”. Com a inauguração em 2020, “hoje já se tornou referência para a região e tem motivado outros bibliotecários que atuam em bibliotecas públicas da região e se tornado um ponto turístico para a cidade”.
O retorno do investimento, segundo a professora, deve ser observado por meio do impacto positivo do espaço nos frequentadores e visitantes do local, movimentando a economia da cidade. Para Márcia, trata-se da promoção da cidadania, já que, mantendo a biblioteca viva, haverá “circulação de pessoas, com os encontros que proporcionam, com o movimento que causa na cidade; os governantes, as instituições precisam enxergá-las como local estratégico; ela se mantém viva então com investimento de recursos financeiros e em pessoas”.
Jornal da USP
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