A Polícia Civil marcou, para esta quarta-feira (19), os depoimentos de testemunhas da investigação de racismo durante show do cantor Seu Jorge em Porto Alegre. Na última sexta (14), o artista se apresentou no Grêmio Náutico União, tradicional clube da cidade, quando foi chamado de "macaco" e ouviu pessoas imitando o som do animal, segundo a polícia.
A delegada Andréa Mattos, titular da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI), pretende ouvir funcionários do clube e pessoas que estavam no show. O objetivo é identificar os autores das ofensas.
"Pouco antes da saída do artista do palco é possível ouvir duas ou três vezes a palavra 'macaco'. E na sequência, alguns sons muitos similiares ao som emitido por esse animal", diz.
A investigação espera receber mais imagens do show, sejam elas de testemunhas ou do monitoramento de segurança do clube.
Na terça-feira (18), o Ministério Público abriu um procedimento investigatório para apurar condutas ilícitas de cunho racial e danos ocorridos no show. A Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos de Porto Alegre deve solicitar ao clube informações, mídias e demais instrumentos de prova relacionados com os fatos.
O presidente do Grêmio Náutico União, Paulo José Kolberg Bing, foi intimado a depor na quinta-feira (20). Ele disse não ter presenciado atos de racismo e se solidarizou com o artista.
"Quero me solidarizar com ele porque, realmente, uma manifestação de ato de racismo é uma coisa intolerável e que nós não podemos compactuar e tolerar aqui dentro do União", afirma.
O dirigente confirmou ser autor de um áudio gravado no domingo (16), em que alega tentativa de "aproveitamento político" do episódio. Na mensagem, Bing critica Seu Jorge por ter feito um "gesto político", que fez com que o público se sentisse "ultrajado.
eu Jorge afirma ter passado a ouvir ofensas após apresentar o artista Pedrinho da Serrinha, um adolescente negro de 15 anos que fazia parte do show.
"Quando a gente olha para um garoto de 15 anos, adolescente, e ele é branco, a gente continua vendo um adolescente. Mas, muitas das vezes, quando a gente olha para um adolescente negro de 15 anos, a gente, muitas das vezes, a gente pensa em redução da maioridade penal", disse em entrevista à Globonews.
O músico de 52 anos rebate as críticas de que teria "politizado" o show.
"Não estava politizando nada. Estava simplesmente fazendo uma fala muito importante porque temos que combater o genocídio da juventude negra no Brasil", afirmou.
Uma testemunha ouvida pelo g1, que prefere não ser identificada, faz o mesmo relato.
"Em um determinado momento, chamou um menino que toca cavaquinho, apresentou ele, disse que tinha 15 anos, falou que era um talento e, nesse momento, falou sobre a maioridade penal, quis dizer que a questão não é prender mais cedo ou mais tarde e sim dar condições para esses jovens", disse.
Em seguida, pessoas presentes na plateia começaram a ofender Seu Jorge, comenta a testemunha.
"Começaram a gritar 'mais um, mais um', mas, logo em seguida, alguns sons de 'uh, uh'. Primeiro, eu pensei que estavam vaiando. E já parecia estranho pra mim uma pessoa num show começar a vaiar. Depois, eu vi que eram movimentos de macaco. Cheguei a ouvir 'negro vagabundo, vagabundo' e, depois, pessoas gritando 'mito, mito'", contou.
Em vídeo gravado na segunda (17), Seu Jorge dedicou parte de sua mensagem à população negra do Rio Grande do Sul.
"Ao povo negro do Rio Grande do Sul e de toda a região do Sul, quero dizer que amo todos vocês, e admiro, respeito. E digo também que estamos mais unidos do que nunca e que vamos vencer essa guerra que segrega o nosso povo à miséria e à falta de oportunidade no Brasil", disse.
Personalidades, muitas delas negras, manifestaram solidariedade ao artista. A cantora Paula Lima, o jogador Daniel Alves e a jornalista Flávia Oliveira ressaltaram a necessidade de se enfrentar o racismo. Autoridades locais também comentaram o caso.
"Expresso o meu repúdio a todo e qualquer ato de ofensa que o cantor e a comunidade negra sofreram. Como governador do Rio Grande do Sul, peço desculpas. É dever de todos combater o racismo estrutural", falou o governador do RS, Ranolfo Vieira Júnior (PSDB).
"Independentemente, reforço meu pleno repúdio a qualquer tipo de racismo, que é crime. O combate ao preconceito não pode ser politizado, e confiaremos na apuração policial dos fatos", disse o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB).
G1 Bahia Foto Reprodução redes sociais
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