Nos últimos seis anos, a pobreza no Brasil aumentou muito. Tivemos a recessão muito forte de 2015/2016 e a pandemia a partir de 2020 contribuindo para a deterioração dos indicadores sociais. As consequências mais graves foram o aumento do desemprego, da informalidade e a queda acentuada da renda média da população. Como nosso PIB cresceu muito pouco neste período, e a população continuou crescendo, assistimos a uma queda significativa da renda per capita.
Duas estatísticas confirmam que mais da metade da população brasileira vive mal, com baixíssima renda e sofre com insegurança alimentar. Segundo a Tendências Consultoria, e utilizando dados do IBGE, o número de domicílios que abrange as classes D e E no Brasil é de 38 milhões de residências, o que representa 51 % das famílias brasileiras.
Para essas famílias, a renda mensal está abaixo de R$ 3 mil por mês. Outro estudo completamente diferente, o 2º Vigisan – Inquérito Nacional sobre insegurança alimentar, mostra que cerca de 55 % dos domicílios brasileiros atravessam atualmente uma situação de insegurança alimentar, sendo que em 15 % dos domicílios há fome efetiva, o que significa que 33 milhões de brasileiros não conseguem fazer suas refeições diárias.
A conclusão conjunta dos dois estudos é que mais da metade dos brasileiros vive com muita dificuldade, e sua atual renda mal permite que eles tenham ao menos uma alimentação diária. Evidentemente este contingente enorme de mais de 120 milhões de brasileiros praticamente não participa do mercado consumidor e só pode se preocupar com sua própria subsistência. Ou seja, somos um país de 215 milhões de habitantes, mas menos da metade vive em famílias com renda acima de R$ 3 mil por mês, e, portanto, pode ser considerada participante do mercado consumidor e não apenas do mercado de subsistência.
Ou seja, desperdiçamos um potencial enorme que temos para nos transformar em um dos maiores mercados consumidores do mundo. Está claro que essa é a mudança mais importante que precisamos levar a cabo. O segredo da China, o país que mais cresceu nos últimos 30 anos, foi ter feito esta transformação e com um número muito maior: foram 750 milhões de pessoas que deixaram a pobreza para se integrar à classe média em apenas três décadas.
Claro está que essas mudanças não serão atingidas se não sairmos da condição de um dos dez países com a pior distribuição de renda do mundo. Segundo a revista britânica The Economist, estamos nesta lista acompanhados de oito países africanos pequenos e muito pobres. Somos o único país grande nessa relação, pois somos o 12º maior PIB do mundo. Precisamos urgentemente superar a enorme desigualdade que hoje permite com que o 1 % mais rico da população brasileira receba 49,7 % da renda total do País. Nossos dirigentes, poder Executivo, mas também legisladores, precisam entender que aprovar uma reforma tributária não é uma questão apenas humanitária, mas é através dela que o Brasil pode ir de encontro a um destino de sucesso e de crescimento econômico.
Não há crescimento econômico sem aumento do consumo por parte da população. É o consumo que gera empregos e aumenta a arrecadação dos governos, permitindo a estes fazer os investimentos que vão gerar mais empregos. É disso que o Brasil precisa, mas começa com a promoção da melhoria da distribuição de renda da população.
Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
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