Institutos de pesquisa precisarão rever metodologias, diz professor da USP

O desempenho do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), acima do projetado pelas pesquisas na votação do primeiro turno, além de uma série de resultados surpreendentes nos Estados nas corridas para governador e senador, aumentam a pressão sobre o trabalho dos institutos de opinião, diz o professor de gestão de políticas públicas na USP e pesquisador do eleitorado bolsonarista Pablo Ortellado.

Bolsonaro obteve 43% dos votos válidos na eleição presidencial enquanto a pesquisa do Datafolha divulgada na véspera da eleição, com 12.800 entrevistados em 310 municípios brasileiros, captava 36% — uma diferença fora da margem de erro de dois pontos percentuais. Pesquisa Genial/Quaest apontava o atual presidente com 38% dos votos válidos, disparidade também fora da margem de erro em relação ao resultado das urnas.

Em entrevista coletiva Bolsonaro disse que os resultados "desmoralizaram de vez os institutos de pesquisa", mas evitou questionar a credibilidade dos resultados pela urna eletrônica.

Ortellado diz que a "credibilidade dos institutos, que já era colocada em xeque pelos bolsonaristas, agora é colocada pelo resto da sociedade. Seguramente não é manipulação, mas é uma limitação [dos institutos] que a gente precisa entender".

Veja abaixo a entrevista:

BBC News Brasil - Qual é a sua avaliação sobre o descompasso das pesquisas e o desempenho de Bolsonaro nas urnas?

Pablo Ortellado - Olha, foi uma diferença muito grande, muito grande. Antes havia a discussão sobre as duas metodologias de pequisa, por telefone e presencial, e havia a ideia de que a presencial capturava melhor o fenômeno [de intenção de votos]. Mas, olhando para os estados e para a apuração dos votos presidenciais, as duas [metodologias] erraram feio.

A grande diferença do presencial em relação ao telefone é que a presencial chega aos mais pobres porque esses têm menos telefones e estão no trabalho, com menos disponibilidade para atender à ligação. E a presencial não entra nos condomínios. São essas as limitações das metodologias. Todo mundo sabe disso e tenta contornar essas limitações com métodos estatísticos, com atribução de pesos, mas não estamos falando de uma diferença de cinco pontos percentuais. Foi um erro gigantesco.

BBC News Brasil - Já é possível ter uma pista sobre os fatores que levaram a essa diferença que as pesquisas não captaram?

Ortellado - Tem muitas coisas que podem ter acontecido. Vai ser necessário olhar com calma para entender. Mas não houve nenhum fato novo [nos últimos dias de campanha] para explicar esse salto na diferença. Não acho que o eleitor tenha mudado o voto de última hora, porque tudo estava muito consolidado. Essa explicação não é suficiente.

Pode ser que um pedaço do voto indeciso tenha ido para o Bolsonaro, mas um pedaço que certamente não explica o que aconteceu. Pode ter sido o voto envergonhado. Pode ter havido boicote dos bolsonaristas na participação das pesquisas, havia uma campanha muito dura contra os institutos de opinião.

BBC News Brasil - E como essas diferenças não captadas pelas pesquisas vão se refletir no discurso de Bolsonaro, que costuma descredenciar o trabalho dos institutos? Vai reforçar o discurso do presidente de que 'o que vale é o Datapovo'?

Ortellado - Ele vai falar em "Datapovo", vai falar que os institutos forjaram os números e que ele na verdade ganhou porque a eleição foi fraudada. Por essa perspectiva, é um quadro muito ruim porque as pesquisas erraram muito.

C News Brasil - E como esse quadro influencia o segundo turno entre Lula e Bolsonaro?

Ortellado - Vai ser um mês de disputa muito acirrada. O bolsonarismo não teve apenas um desempenho significativo nacionalmente. O bolsonarismo ganhou em vários estados. [Cláudio] Castro ganhou no primeiro turno no Rio e isso não foi captado pelas pesquisas. A mesma coisa na corrida para governador e senador em São Paulo. É uma lista enorme. É bem grave.

BBC News Brasil - Como essa lista de projeções que não se concretizaram vai ser absorvida pelos institutos de pesquisa? Qual é o futuro das pesquisas eleitorais no Brasil?

Ortellado - É o que aconteceu nos Estados Unidos em 2016 e depois em 2020. Vai precisar rever métodos, fazer discussões entre especialistas para ver o que aconteceu. Agora, com o mapa de votação, é preciso pegar os dados da pesquisa de sábado [o Datafolha com mais entrevistados, 12.800 pessoas] e fazer ajustes, correções, porque a diferença foi grande demais.

Alguma coisa aconteceu e é preciso descobrir. Uma pena não tenham feito pesquisa de boca de urna. Ninguém mais faz porque não vale mais a pena, o resultado sai muito rápido. A boca de urna seria melhor para comparar com os resultados.

 

É muito grave porque os institutos estão sob ataque e são ataques infundados. Porque tem muita gente séria nos institutos tentando fazer o melhor, mas eles erraram.

BBC News Brasil - Acredita que haja alguma mudança na dinâmica de voto em relação ao passado? Ele está mais volátil e os institutos não estão conseguindo captar?

Ortellado - Pode ser que sim. É comum que haja flutuações, mas para presidente não deveria ter nesse nível porque o voto parecia muito consolidado. Tem que pegar os dados e analisar. Só nos próximos dias a gente vai entender o que aconteceu.

Mas a credibilidade dos institutos, que já era colocada em xeque pelos bolsonaristas, agora é colocada pelo resto da sociedade. Seguramente não é manipulação, mas é uma limitação [dos institutos] que a gente precisa entender.

Jornal Estado de Minas Foto Divulgação