A Reserva Natural Serra das Almas é a maior Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Ceará e nesta semana comemora 22 anos desde sua criação. A Unidade de Conservação (UC), administrada pela Associação Caatinga, é um reduto de biodiversidade do bioma Caatinga preservado e reúne histórias dedicadas à conservação do meio ambiente, como a do guarda-parque Marcos Roberto Marques, que um dia foi caçador, mas hoje é um dedicado protetor da natureza.
Reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Caatinga por abrigar uma representativa área de Caatinga preservada e pela interação positiva com as comunidades rurais do seu entorno, a RPPN é um verdadeiro santuário da fauna e da flora do bioma, localizada entre os municípios de Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI).
Ao todo são 6.285 hectares de extensão que resguardam quatro nascentes, sete trilhas ecológicas, exposições e réplicas de animais em tamanho real. O espaço também oferece alojamento com refeitório, dormitório, redário, laboratório, auditório, torre de observação, viveiros de produção de mudas nativas e meliponário, além de loja física para os visitantes.
RESERVA: Entre as pessoas que ajudaram a construir a história da Reserva Natural Serra das Almas, e tiveram suas vidas transformadas por ela está Marcos Roberto Marques, 53, guarda-parque e colaborador mais antigo da Associação Caatinga. Morador de Crateús, Marcos aprendeu ainda na infância com seus familiares a caçar animais. O que começou com a necessidade de se alimentar, tornou-se um hobby na juventude que prosseguiu na vida adulta. “Sempre quando eu tinha uma folga no trabalho, juntava os amigos e saía para caçar”, conta.
Sua vida mudou quando, por meio do seu trabalho como mototaxista, conheceu um dos gestores da Reserva Serra das Almas. “Quando vim aqui conhecer, nem sabia do que se tratava”. Em 2002, mesmo sem experiência, Marcos foi convidado para trabalhar como guarda-parque. “Eu perguntei o que era isso e me foi explicado que era para defender a biodiversidade. Um trabalho dentro da reserva para preservar a natureza”.
E completa: “Eu via todo tipo de animal e pensava – eu não vou viver no meio desses bichos não, vou começar é matar – eu falava para o responsável que tinha visto uma cobra, perguntava se podia matar e ele me dizia que não. Eu não entendia por que não poderia matar esse tipo de animal”.
E foi assim, com o passar do tempo e muita orientação, que Marcos foi repensando seu comportamento. De caçador, ele tornou-se um dos maiores protetores do bioma, cuidando da maior unidade de conservação privada do Ceará. Marcos diz que ter conhecido a Reserva Serra das Almas e a Associação Caatinga mudou sua vida. “Hoje posso afirmar que sou um apaixonado por esse lugar, enquanto eu tiver vida e Deus me der saúde, vou estar aqui porque esse lugar é sagrado, é um santuário que só conhecendo você passa a dar valor. Tudo que eu sou hoje eu devo a esse lugar”.
O guarda-parque, que hoje também exerce a função de encarregado operacional, é responsável por planejar e supervisionar as atividades na reserva e diz que se orgulha de ter mudado o pensamento de amigos e familiares. “Eu conversei bastante e informei sobre a questão da caça. Não é só dizer que é proibida, mas ajudar a refletir. Pra que caçar se você não tem necessidade? Pra que caçar por esporte, por hobby? Posso dizer que 90% deles, depois de uma boa conversa, deixaram essa prática”.
BIOMA CAATINGA: Para finalizar, o colaborador mais antigo da Associação Caatinga complementa, quando questionado sobre o que falaria, se tivesse oportunidade, para o Marcos do passado: “eu ia pedir pra ele conhecer o nosso trabalho. Tenho certeza que ele conhecendo, conhecendo a minha história, o que eu fui e o que sou hoje, eu garanto que mudava os pensamentos dele. Ele ia fazer a diferença e ter esse mesmo pensamento que eu tenho hoje”.
Rose Serafim e Alice Sales, colaboradoras da Eco Nordeste, foram estagiárias de comunicação da Associação Caatinga, quando ainda eram estudantes de Jornalismo, e assim como na vida do Marcos, o trabalho dedicado à Reserva e aos projetos de conservação que envolvem a RPPN fizeram a diferença em suas trajetórias profissionais.
A jornalista Alice Sales considera que conhecer a Reserva Natural Serra das Almas e se envolver nos trabalhos de conservação da Caatinga à época em que foi estagiária da Associação foi um abrir de portas para universo do Jornalismo Ambiental no qual hoje atua. Para ela, a Reserva foi inspiração para seguir dedicando-se a à comunicação voltada para a divulgação de informações sobre o Bioma Caatinga.
“Lembro da primeira vez que estive na Serra das Almas, em 2017, na condição de estagiária e do quanto fiquei maravilhada com a vastidão de natureza e a riqueza da biodiversidade daquele lugar. Me aproximar desse reduto da mata branca reforçou o desejo que eu tinha de continuar dedicando o fazer jornalístico ao tema, além de me proporcionar grandes aprendizados sobre o nosso bioma e a importância de conservá-lo”.
À época, a jornalista escreveu um relato onde compartilha suas impressões sobre a primeira vez que visitou a Reserva Natural Serra das Almas, publicado no site da Associação Caatinga.
A Natureza da RNSA
A Reserva é detentora de uma rica biodiversidade. Das seis espécies de felinos da Caatinga, quatro já foram registradas na Serra das Almas. O local abriga mais de 230 espécies de aves, 45 de répteis, 323 de plantas, 33 de anfíbios e 45 de mamíferos. Dentre esses, algumas estão ameaçadas de extinção, como a Jandaíra (Melipona subnitida), a Onça Parda (Puma concolor) e o Tatu-bola (Tolypeutes tricinctus).
A Reserva Natural Serra das Almas também contribui significativamente para a biodiversidade da Caatinga, pois evita o escoamento de 1,5 bilhão de litros de água. Também foi descoberto, por meio de pesquisas, que cada hectare de cobertura vegetal acima do solo da reserva estoca 91 toneladas de CO², ou seja, uma vez que a RNSA tem 6.285 hectares (6.191 hectares de floresta), então estoca 563 mil toneladas de CO². Isso representa o total de gás carbônico emitido por 350 mil habitantes de São Paulo durante um ano. Manter a floresta da Serra das Almas em pé é o mesmo que ter 350 mil pessoas deixando de emitir CO² na atmosfera durante um ano.
Associação Caatinga
A Associação Caatinga é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, cuja missão é promover a conservação das terras, florestas e águas da Caatinga para garantir a permanência de todas as suas formas de vida. Desde 1998, atua na proteção da Caatinga e no fomento ao desenvolvimento local sustentável, incrementa a resiliência de comunidades rurais à semiaridez e aos efeitos do aquecimento global.
A RNSA dispõe de guias e está aberta para visitação todos os dias da semana. O agendamento da visita deve ser realizado com pelo menos quatro dias de antecedência, por meio do telefone (88) 3691.8671 ou do e-mail [email protected].
Agência O Eco Nordeste/Maristela Crispim
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