Com discografia que totaliza mais de 50 títulos, construída a partir do final dos anos 1960, Martinho da Vila segue com uma verve transbordante e incansável. Do alto de seus 84 anos, ele acaba de lançar um álbum cujo título é a síntese de sua proposta: Mistura homogênea.
Trata-se, como o próprio cantor e compositor aponta, de um trabalho que aglutina diversos convidados, das mais diferentes latitudes, e que cruza ritmos diversos, muitas referências, um espectro amplo de temáticas, crenças e perspectivas.
Ao longo de 13 faixas – que abarcam gêneros que vão do xote ao rap, passando, naturalmente, pelo samba – desfilam, como convidados de Martinho artistas como Teresa Cristina, Zeca Pagodinho, Xande de Pilares, Hamilton de Holanda e Djonga, entre outros. Comparecem, também seus filhos e netos, separadamente em algumas músicas e todos juntos em “Canta, canta, minha gente! A Vila é de Martinho”, samba-enredo que a Vila Isabel leva para a avenida no carnaval deste ano (remarcado para abril), em homenagem ao compositor.
“Eu tinha gravado quatro músicas; uma delas, que canto com a Teresa Cristina, é a ‘Unidos e misturados’, título sugerido pelo meu parceiro Zé Catimba. Esse nome me levou a pensar em mistura”, diz Martinho, sobre o título do disco, evocando memórias do início de sua vida profissional, antes de se tornar um músico conhecido, para explicar o conceito que orienta seu novo álbum: “Quando fiz o curso de auxiliar de química industrial no Senai, para me profissionalizar, tinha essa coisa da mistura homogênea, aquela que não se separa”.
CONVIDADOS: Sobre os convidados especiais, ele diz que boa parte veio por sugestão dos produtores do disco. “Quando delineei o que seria o disco e escolhi o repertório, mandei para o Celso Filho, um amigo que trabalha comigo, que cuida dos meus shows, e para meu filho Martinho Antônio, para eles assumirem a produção. Foram eles que deram a ideia dos convidados”, diz, acrescentando que alguns deles são velhos conhecidos, como Zeca Pagodinho.
Há, contudo, entre as participações, nomes aparentemente distantes do universo de Martinho – caso do mineiro Djonga. “Ele eu não conhecia. Fiz a música ‘Era de Aquarius’, e o Martinho Antônio falou que eu tinha que botar um rap ali no meio, para ficar uma mistura boa. Todo mundo começou a dar palpite e o meu neto Guido, que estava ouvindo a conversa, falou do Djonga. Algumas participações foram gravadas a distância, mas com ele foi junto no estúdio. Ficamos camaradas”, conta.
Martinho destaca que trabalhar cercado pela família — algo que ele faz de forma recorrente — o deixa mais confortável. “Gosto de ter os meus por perto; quase sempre tem um comigo no palco ou no estúdio. Dessa vez eu peguei e botei foi todo mundo, a prole toda”, destaca.
HOMENAGEM: Sobre o tributo que será prestado pela escola de samba da qual herdou o nome artístico e para a qual já compôs diversos sambas-enredo, ele diz ser uma coisa “fora de série”, uma honraria rara em vida. “Estou acostumado a fazer enredos, não a ser o enredo.” Martinho explica que essa homenagem estava prevista para o ano passado, mas ficou guardada, já que, devido à pandemia, em 2021 não teve carnaval.
“Até pensei que eles podiam mudar de ideia, escolher outro tema para este ano. Eu mesmo mudo de ideia quando estou com um projeto de disco e ele demora a acontecer. Mas não, o Edson Pereira, carnavalesco da escola, disse que está de pé, que vai acontecer.”
A história da Vila Isabel quase se confunde com sua própria trajetória. Martinho recorda que quando a escola ainda batalhava para se manter no primeiro grupo, várias pessoas foram convidadas para reforçar seu plantel – ele inclusive.
“Eu estava no começo da minha carreira, mas já era conhecido. O Miro, então presidente da escola, montou um time bom, chamou também o Ernesto, que era diretor de bateria do Salgueiro, e a partir dali a coisa deslanchou. A Vila, para mim, é como uma menina que adotei, ajudei a crescer e depois herdei o nome dela. Estou lá desde 1965, é muito tempo.”
NOVOS FORMATOS: Martinho afirma que Mistura homogênea é, possivelmente, o último trabalho que apresenta no formato de álbum. Para acompanhar as mudanças do mercado e as novas dinâmicas de consumo de música, ele diz que pensou em passar a lançar apenas singles. Paulo Junqueiro, presidente da Sony Music Brasil, gravadora que chancela seu trabalho, tem, no entanto, tentado dissuadi-lo.
“Quando falei dessa ideia, ele me disse: ‘Martinho, nada disso, você tem que gravar disco inteiro, porque fica mais legal, tem um conceito, e a gente pode lançar uma faixa a cada dois meses, como singles’. Gostei da ideia, porque, realmente, é um jeito de manter a coisa do conceito, que acho legal.”
Correio Braziliense/Daniel Barbosa
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