As chamadas deepfakes se utilizam da Inteligência Artificial para reproduzir sons e imagens e criar uma situação irreal. Essa tecnologia pode ser usada para incriminar pessoas ou fazer com que indivíduos sejam constrangidos por algo que não fizeram.
Nesse sentido, é necessário que fiquemos atentos ao seu uso e sempre questionemos tudo o que consumimos na internet. É importante saber também que existem leis que punem os criminosos e indenizam as vítimas.
Juliano Maranhão, professor de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito (FD) da USP, explica que “a questão das deepfakes afeta diferentes áreas do direito. Na seara criminal, o principal problema refere-se à criação de deepfakes pornográficas, frequentemente utilizadas para fins de pornografia de vingança (revenge porn)”.
O professor destaca que, em 2018, foi criado o Artigo 218-C no Código Penal, que criminaliza a criação de montagens em fotografias, vídeos e até mesmo áudios, como deepfakes. O crime é passível de detenção de seis meses a um ano, além do pagamento de multa à vítima.
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
“Na esfera cível, o Artigo 20 do Código Civil aponta que a autorização ou o consentimento são condições indispensáveis para a utilização de imagem de uma pessoa, de modo que o uso não consentido da imagem, ainda que sem caráter ofensivo, implica violação ao direito à imagem, cabendo indenização à vítima”, complementa.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815)
Apesar da punição prevista em lei, o Poder Judiciário tem dificuldade em eliminar o conteúdo proveniente das deepfakes, dado que a sua velocidade de circulação é muito rápida — o que pode ser tarde demais para a vítima, que já terá sua imagem manchada. Mas há o projeto de lei das fake news que pode ajudar a combater isso.
“A Justiça Eleitoral tem-se estruturado para reagir mais rapidamente às informações nesse período de eleições, mas como o conteúdo é difamatório e pode se espalhar rapidamente pelas redes, a reação deveria ser imediata”, destaca Maranhão. Ele prossegue, explicando que esse é mais um motivo para que o projeto de lei de liberdade, transparência e responsabilidade na internet — a chamada Lei das Fake News — seja aprovado.
Esse projeto de lei n° 2.630, de 2020, “estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas”. Além disso, responsabiliza os provedores pelo combate à desinformação e melhora da transparência na internet.
PERIGO À DEMOCRACIA: O professor explica que as deepfakes “são fenômenos no âmbito da comunicação nas mídias digitais que trazem sério risco e impacto social”. Isso porque uma mensagem desinformativa pode ter um efeito imediato: uma deepfake utilizada para fazer com que um político diga algo racista, por exemplo, pode corromper sua reputação. Até descobrirem que não era verdade, a imagem desse indivíduo já foi corrompida e ele perdeu as eleições. O que “distorce, então, o jogo político e, por consequência, a democracia”, afirma.
Nesse sentido, há uma discussão pautada no Artigo 19 do Marco Civil da Internet, para responsabilizar as plataformas pela divulgação de deepfakes e critérios para remoção desse conteúdo de plataformas.
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
“Atualmente, a regra geral é que a indisponibilização de conteúdo deve ocorrer após uma ordem judicial, ou de maneira imediata, caso se trate de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter íntimo”, explica Maranhão.
Jornal da USP
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