Bahia: Vídeo que mostra jovem indo à lavoura contar ao pai agricultor que passou em medicina na Ufba emociona nas redes sociais

Lágrimas de pai e filho, moradores do município de Caculé, no sertão da Bahia, têm emocionado milhares de brasileiros nas redes. Num momento em que centenas de país vivem o luto de uma tragédia, como a de Petrópolis (RJ), e o mundo vive o temor de uma guerra,  o choro de felicidade de Sandro Lúcio Nascimento Rocha, de 21 anos, serviu para criar uma verdadeira corrente de esperança entre internautas.

O jovem compartilhou imagens em que revela para o pai, agricultor e que trabalha na roça, ter passado no vestibular para Medicina, na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Na gravação, o rapaz, chamado de Sandrão pelo amigo, adentra ansioso a lavoura onde o pai trabalhava com sua enxada. Acompanhado pelo autor das imagens, ele precisou ainda de um “empurrãozinho” para que, após avistar o pai, seguir para o abraço de comemoração. 

O mais novo estudante de Medicina! Ele passou!”, diz o interlocutor, enquanto o homem parece não acreditar. Não demora para que os dois comecem a chorar copiosamente, enquanto se abraçam com força.

A cena também emocionou os trabalhadores que estavam em volta. A simplicidade do pai resta mais evidenciada que nunca quando, após o breve momento, ele ainda chorando pega seu instrumento de trabalho novamente e volta a cultivar o solo.

O resultado do Sisu, mecanismo de ingresso me universidades vinculado ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), foi divulgado na última terça-feira (22).

O homem que grava a cena identifica o jovem estudante como Sandrão e diz que eles estão no sertão da Bahia.

Nas redes sociais vários comentários marcaram a cena:

"O que dizer desse vídeo?! Nele temos o registro do momento em que Sandro Nascimento, filho de um lavrador do sertão da Bahia, conta para o pai que foi aprovado no curso de medicina da UFBA.
Emocionada, eu Luana Tolentino digo: Trata-se de uma resposta à elite escravocrata, tacanha e perversa que domina o nosso país. Trata-se de uma resposta, de um enfrentamento às tentativas diárias de destruir a educação e a universidade pública.
"Pai, sai da labuta! Tenho uma novidade! Passei em medicina!" -, disse o futuro médico. O pai interrompe o trabalho com a enxada, abraça o filho e chora. Os dois choram.
O pai não tem tempo tempo para comemorar. Pega a enxada novamente e ara a terra. Uma cena do Brasil de dentro, do Brasil profundo. Uma cena que me fez lembrar de "Torto Arado", best-seller do escritor @itamarvieirajr". 

Nesta sexta-feira (25), Sandro escreveu sobre o momento, após saber sobre sua aprovação. Ele agradeceu à Deus, a seus professores, que o ajudaram a alcançar o objetivo, mas também falou sobre a base familiar, que se provou valiosa: o pai lavrador e a mãe, dona de casa.

CONFIRA: Oi, pessoal. Venho através desta publicação agradecer a cada um de vocês que, carinhosamente, tirou um tempinho para felicitar-me por mais uma conquista. Todas as palavras do mundo seriam insuficientes para expressar tamanha gratidão. Em primeiro lugar, a Deus eu dou graças. O apóstolo São Paulo diz que "Nele cremos, nos movemos e existimos", portanto, sem a graça de Nosso Senhor Bom Deus, jamais teria persistido, pois Ele é a fonte de todas as coisas. Em segundo lugar, agradeço à minha família. Assim como uma casa precisa de uma alvenaria para erguer-se, um lar precisa de um grande homem e de uma grande mulher para suster-se moral e espiritualmente. 
Eu fui agraciado por ter uma família que, mesmo sem as melhores instruções do mundo, me incentivou a correr atrás dos meus sonhos. Enquanto meu pai, lavrador, labutava na roça, minha mãe segurava a barra nas tarefas domésticas; meu irmão, aos longo de seus 13 anos de idade, sendo o meu xodó e símbolo de irmandade.
Em terceiro lugar, agradeço aos meus caríssimos professores, tanto do ensino fundamental quanto do ensino médio. Todos, sem exceção. Eles que me ensinaram os macetes da educação com todas as limitações de materiais, ou até mesmo sem receber os seus salários; sempre amaram o que fazem, e têm um espaço no melhor lugar do meu coração. Em quarto, mas não menos importante, agradeço aos amigos e àqueles que nem mesmo tive a honra de conhecer, por cada frase de apoio e incentivo.
A única coisa que posso dizer é OBRIGADO, e o mínimo que posso fazer por retribuição é não decepcionar nenhuma das pessoas que se emocionaram com a minha história. Vou me dedicar na faculdade com todo o gás do mundo, pois lembrarei da força e do carinho que venho recebendo de vocês. Para finalizar, deixo aqui uma frase de Santo Agostinho de Hipona, e peço a todos que reflitam e tomem como incentivo.

"Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se- perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos".

HISTÓRICO: Sandrão, como os amigos chamam, passou para o curso desejado com 738,52 pontos. A pontuação, bem acima da nota de corte da maioria dos cursos, foi suficiente para que ele conseguisse garantir o direito de matricular-se em Medicina na UFBA, no campus Vitória da Conquista (BA), que fica a mais de 200 quilômetros de distância da cidadezinha onde vive hoje.

O rapaz, desde muito novo, sempre se mostrou estudioso, e aficionado por ciência. Em 2020, quando ainda estava na escola, com 17 anos, Sandro criou um projeto de economia de água potável utilizando materiais reciclados que foi destacado pelo Ministério da Educação (MEC). 
Pelo trabalho, ele tirou o segundo lugar na categoria Ensino Médio do Prêmio Jovem Cientista, criado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além disso, o estudante também é coordenador regional da Associação Brasileira de Incentivo à Ciência (Abric).

Sandro foi aprovado em 6° lugar entre as sete vagas destinadas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

Luana Tolentino  citada no texto e Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. Atualmente tem se dedicado à Formação Inicial e Continuada de Professores.  É autora do livro Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula, lançado em 2018 pela Mazza Edições.

 

Redação Redegn com informações O Globo Artur Reis