Em 12 de janeiro de 2022 foi publicado o Decreto n.º 10.935/22 pela Presidência da República que dispõe a respeito dos standarts de proteção das cavidades naturais subterrâneas – cavernas, grutas, abismos, furnas e buracos – bem como define as possibilidades de aproveitamento econômico que venha a interferir em tais ambientes.
Dentre as disposições de referido Decreto, ganhou projeção midiática a previsão dos artigos 4º e 5º, que previram a possibilidade de tais ambientes – inclusive aqueles de grande relevância – sofrerem impactos irreversíveis, contanto que mediante prévio licenciamento pelo órgão ambiental licenciador e de modo a satisfazer o interesse público. Tal previsão deixa claro que, uma vez mais, o Governo Federal peca pelo excesso de avidez em satisfazer os setores produtivos, sem dar conta de que medidas extremas tendem a gerar reações de igual magnitude.
Em que pese a necessidade de prévia anuência do órgão ambiental competente, a possibilidade de geração de danos irreversíveis às cavidades naturais subterrâneas levou a grande comoção midiática, especialmente de grupos ligados à preservação do meio ambiente e à própria oposição do governo Bolsonaro, tendo, rapidamente, sido relacionada a edição de tal norma ao Programa de Mineração e Desenvolvimento, previsto pelo Governo Federal na Portaria n.º 354/2020, publicada em setembro de 2020.
Após grande desgaste do Decreto do Governo Federal junto à mídia, o partido Rede Sustentabilidade propôs uma Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) dirigida ao Supremo Tribunal Federal, pleiteando a declaração de incompatibilidade do Decreto n.º 10.935/22 com a Constituição Federal e, por consequência, o fim de sua vigência.
A argumentação apresentada pela Rede gravita em torno da vedação ao retrocesso no que toca à proteção ambiental, que guarda direta relação com a necessidade de atuação ponderada por parte do poder público na elaboração de políticas voltadas ao aproveitamento do meio ambiente, de modo a zelar pela primazia do Princípio da Precaução – ou seja, não implementar políticas públicas, senão após a conclusão científica de que o meio ambiente não será afetado de forma negativa e definitiva.
Em sede de decisão liminar – ou seja, apenas sobre o pedido cautelar formulado pela Rede –, o Ministro Ricardo Lewandowski, relator da ADPF, ponderou que, "salta à vista que algumas das alterações trazidas pelo Decreto n.º 10.935/22, na prática, ensejam a possibilidade de exploração de cavidades naturais subterrâneas, sem maiores limitações, inclusive daquelas classificadas com o grau máximo de proteção, aumentando substancialmente a vulnerabilidade dessas áreas de interesse ambiental, até o momento áreas intocadas".
Justamente a partir de tais considerações, o Ministro Lewandowski, valendo-se das atribuições inerentes à condição de relator do caso, entendeu que tais alterações representam um retrocesso da legislação ambiental, bem como colocam em xeque a missão constitucionalmente estabelecida ao Governo Federal de zelar pela preservação do meio ambiente para a geração presente e para as gerações futuras. Por conseguinte, deferiu o pedido cautelar formulado pela Rede, determinando a retomada imediata dos efeitos do artigo 3º do Decreto n.º 99.556/90, de modo a inviabilizar a exploração ou qualquer tipo de intervenção que gere impactos irreversíveis em cavidade natural de relevância máxima.
Ao que tudo indica, o movimento do Governo Federal, ao editar o Decreto n.º 10.935/22, acabou por gerar desconforto e insatisfação tanto entre os setores ligados à conservação do meio ambiente, quanto aos setores ligados à indústria da mineração. Situações semelhantes no passado – como a extinção da Reserva Nacional do Cobre e seus Associados, ainda no governo Temer – já demonstraram a fragilidade de medidas pouco democráticas e arbitrárias relacionadas à exploração de ambientes sensíveis do ecossistema brasileiro, que tendem a ser questionadas judicialmente e, normalmente, não prosperar ao crivo das Cortes Superiores.
A falta de diálogo e sensibilidade do Governo Federal na gestão de políticas públicas no âmbito do meio ambiente acaba por gerar desgastes desnecessários sem, todavia, qualquer avanço relacionado a melhores condições de desenvolvimento da indústria minerária brasileira, fazendo crescer ainda mais o mito da incompatibilidade entre o crescimento industrial e a preservação de ecossistemas relevantes para a manutenção de um meio ambiente sadio para esta e as futuras gerações.
A manutenção de um discurso extremado e, por vezes, afoito, por parte do Governo Federal, visando massagear as pretensões do setor produtivo – especialmente na temática ambiental –, acaba por gerar um ambiente de acirramento de tensões e ausência de pontos de convergência com setores tradicionalmente situados no espectro da oposição. Por mais que o governo Bolsonaro paute sua atuação na promoção de políticas voltadas ao setor produtivo, a gestão de políticas públicas que reverberam na questão ambiental deve ser realizada de modo a, efetivamente, trabalhar pontos de convergência com setores tradicionalmente ligados à oposição para gerar avanços, não retrocessos.
O ruído gerado por medidas agudas – como a edição do Decreto n.º 10.935/22 – não apenas se mostra inócuo ao fim pretendido – satisfazer os interesses da indústria minerária – como, ainda, gera desgaste com setores ligados ao preservacionismo e dificuldades no diálogo construtivo para o avanço de políticas públicas convergentes, que sejam realmente capazes de satisfazer pretensões dos setores produtivos.
Ao cabo, resta a impressão de que a edição do Decreto n.º 10.935/22 nunca teve a finalidade de, efetivamente, viabilizar a exploração de cavernas de nível máximo de relevância, mas, isto sim, gerar ruído. Como num jogo de xadrez, em que a ameaça é mais impactante que a própria efetivação do movimento, o Governo Federal parece pautar suas políticas públicas muito mais no burburinho causado pelas posições notadamente extremas na seara ambiental do que, efetivamente, visando dar efetividade aos anseios do setor.
A ADPF proposta pela Rede não tem data para ser julgada em definitivo. Até que isso ocorra, os efeitos do Decreto n.º 10.935/22, em sua maior parte, ficarão suspensos. E o diálogo institucional, travado fora das Cortes Superiores, uma vez mais, paralisado pelo silêncio ensurdecedor do diálogo entre os concernidos.
Luiz Paulo Dammski é sócio do escritório Dammski & Machado Advogados Associados, Professor universitário e Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
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