Vinte e seis dias depois do ataque hacker que tirou do ar os sites com dados do Ministério da Saúde, a Fiocruz ainda não conseguiu receber informações para o Boletim Infogripe.
A sobrecarga é visível, mas é como se o Brasil enxergasse de um jeito embaçado o que está acontecendo no sistema de saúde.
“A gente não tem o dado bruto para fazer essa avaliação de quanto, de fato, em todo território, está impactando internações por influenza e a própria entrada da ômicron e o seu avanço”, explica Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe/Fiocruz.
Os dados oficiais nascem nas unidades de saúde. Todas as fichas de pacientes com síndrome gripal, que incluem a Covid, são passadas para o computador, mas as tentativas feitas por uma funcionária da Secretaria de Saúde de Ribeirão Pires, na Região Grande São Paulo, revelam que nem sempre é fácil.
"Ou ele não abre, ele fica girando e não abre, ou, na hora que a gente vai salvar a ficha, aqui no final, ela não grava", aponta Iris Silvério da Silva Bento, enfermeira da vigilância sanitária de Ribeirão Pires, acrescentando que precisa fazer todo processo de novo para tentar incluir as informações.
Iris faz parte do grupo de profissionais de saúde que ficam na ponta, responsáveis por colocar na base de dados do Ministério da Saúde as informações sobre os moradores que ficaram doentes. Mas é tanta dificuldade que os formulários escritos à mão se acumulam. E esse é um fato que ocorre não só neste município de pequeno porte, que hoje está em atraso com os dados dos últimos cinco dias.
“A gente imagina a dificuldade de outros municípios que são maiores de inserir essas fichas que ficaram represadas. A informação que a gente tem lá no Ministério da Saúde acaba não refletindo a realidade local, porque a informação demora ou chega muito defasada”, afirma Iris.
E mesmo com o registro feito, falta o acesso aos números. A informação não tem chegado aos pesquisadores da Fiocruz, que soltam os alertas sobre as doenças respiratórias, como a Covid e a Influenza.
O grupo parou de receber os dados para fazer o Boletim Infogripe quando o Ministério da Saúde anunciou ter sofrido um ataque hacker, dia 10 de dezembro. O último boletim tem os dados inseridos até 6 de dezembro.
Na época, a Fiocruz já indicava um sinal de crescimento forte de síndrome respiratória aguda grave nas seis semanas anteriores e moderado nas últimas três semanas. E também alertava para o aumento em todas as faixas etárias abaixo de 60 anos.
Sem as atualizações, o coordenador do grupo da Fiocruz afirma que o cenário é de um Brasil às escuras.
“Novos casos de problemas respiratórios: eles são Covid, eles são influenza, eles são uma mistura dos dois? A gente ficou às cegas ao longo de todo o mês de dezembro. E isso tem um impacto não só na capacidade de a gente ter o panorama nacional, olhando todos os estados, as capitais, as macrorregiões de saúde, fazendo acompanhamento ali de tendência dos casos semanais. Tanto no nível de tomadores de decisão, como secretarias de Saúde, como da própria população, para saber até como se comportar inclusive nas festas de final de ano. Se o nosso Natal, o nosso Réveillon podia ser com mais gente, se a gente precisava ter muito cuidado. Essa informação é fundamental porque ela impacta não só a tomada de decisão pelos órgãos públicos, impacta também a decisão da população. De comportamento individual e coletivo, o que cada um de nós tem que fazer”, reforça Marcelo Gomes.
O Ministério da Saúde nega que a instabilidade nos sistemas interfira na vigilância epidemiológica de síndromes respiratórias agudas e da Covid. O ministério afirma que restabeleceu as plataformas e-SUS Notifica, SIPNI e ConecteSUS, mas que as informações lançadas depois do dia 10 de dezembro ainda não constam nas plataformas.
Segundo o Ministério da Saúde, as informações podem ser registradas pelos gestores locais e os usuários vão poder acessar os registros quando a integração de dados for restabelecida.
jornal Nacional
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