Sempre que eu visito os sítios históricos de Canudos faço questão de tirar o meu calçado e permanecer o máximo que posso com os pés apoiados sobre aquele solo ao mesmo tempo quente, sagrado e santificador.
Faço-o por duas razões:
Primeiro, em sinal de respeito aos heroicos sertanejos e às heroicas sertanejas que ali tombaram, a maioria deles e delas insepulta e profanada ante os olhos de cruéis e insensíveis sanguinários, muitos dos quais travestidos de pios cristãos ou de ilustres e conceituados cidadãos de bem.
Isso no país que acabava de proclamar uma república e uma constituição, ambas consideradas como o último bastião do humanismo e do processo civilizatório.
Segundo, porque sinto emanar daquela terra, daquele chão, daquelas escarpas, daqueles arbustos retorcidos alguma coisa que não se explica pela nossa vã filosofia, alguma coisa de místico, de divino, de sobrenatural.
E pisar descalço ali é como entrar em estreita sintonia com aquele universo povoado de tanta energia boa, de uma espiritualidade que se faz presente em cada folha seca, em cada flor mirrada e entristecida, em cada pássaro solitário que vagueia por aqueles céus límpidos e azulados.
Pisar descalço ali é para mim ainda estreitar laços e comunhão com aqueles homens e mulheres, proto-mártires do Brasil republicano – eles que, subjugados pela bala e pela gravata vermelha, acabaram por dar o mais elevado testemunho de fé, de amor e de solidariedade.
Pisar descalço ali é firmar e afirmar minha relação de afeto e apreço para com a memória de Canudos e Antônio Conselheiro.
José Gonçalves do Nascimento
Escritor
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