A falta de internet de qualidade dificultou muito o acesso dos brasileiros mais pobres a auxílios e benefícios sociais. Yuri Cruz é estudante. A fotógrafa Vânia dos Santos Oliveira está desempregada. Os dois passam o tempo todo preocupados se vão ter ou não internet, e o problema não é falta de sinal.
“Meu problema é o pacote, porque ele é bem restrito. Não consigo ter acesso a muitas coisas”, contou Vânia. “Minha internet é por crédito. Eu boto de sete em sete dias, mas tem hora que não dá para colocar”, afirmou Yuri.
Levantamento feito pelo Instituto Locomotiva a pedido do Idec — o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor — com pessoas que têm renda de até R$ 1,5 mil mensais, mostra que, para quase metade dos entrevistados, o pacote de dados terminou antes do fim do mês. E, entre eles, a grande maioria passou a acessar somente onde tinha wi-fi.
Nove em cada dez pessoas que responderam à pesquisa entram na internet principalmente pelo celular. Entre os que têm renda de até R$ 440 por mês, 77% já deixaram de acessar a rede para não gastar o pacote de dados.
A privação do consumo acontece principalmente entre usuários negros, jovens, menos escolarizados e que usam planos pré-pagos. A pesquisa concluiu que as limitações no acesso à internet limitam também o acesso a diversos direitos. Sem internet, brasileiros deixam de exercer a cidadania.
Quatro em cada dez usuários não tiveram acesso a políticas públicas por falta de acesso à rede 3G e 4G no celular; 28% enfrentaram dificuldades para receber benefícios sociais, como o Auxílio Emergencial.
Vânia fez várias tentativas e desistiu.
“A internet não tem uma velocidade boa. Então, a plataforma era um pouco difícil de se lidar, que se a internet não for ágil ela trava. Aí você tem tempo limite para aquilo ali, você não tinha acesso e tinha que começar tudo de novo. Isso foram várias vezes, várias tentativas”, disse.
Cerca de 35% dos entrevistados, ou os filhos deles, deixaram de assistir aulas por falta de internet - caso do Yuri.
“Eu vou na casa dos familiares ou minha mãe ou meu pai bota crédito para mim, mas não dura muito tempo”, contou.
Os dois estão recorrendo agora à ajuda de um empresário na Zona Norte do Rio que decidiu oferecer uma rede digital solidária.
“Estou fazendo meu pouquinho aqui, que é dando oportunidade dessas pessoas terem acesso à internet na medida que eu posso”, destacou o empresário Lincoln Donato.
O gesto é importante, mas, sem investimento público, quase metade dos entrevistados já deixou de fazer uma transação financeira por falta de internet móvel e até perdeu desconto por não conseguir pagar pelo PIX.
A Organização das Nações Unidas (ONU) já definiu a conectividade como um direito fundamental.
“A diferença de utilização da internet, de seu potencial é extremamente grande, acaba por reproduzir as desigualdades socioeconômicas que nós temos no Brasil, e a internet, em vez de servir como instrumento para o desenvolvimento do país, para o desenvolvimento das pessoas, acaba infelizmente se consolidando como meio de reprodução dessas desigualdades”, ressaltou Diogo Moyses, coordenador do programa de telecomunicações do Idec.
“Hoje a gente sem internet não é nada. Para ver que até o dinheiro se tornou virtual. Invisível, é como se a gente não existisse sem internet”, definiu Vânia.
JN
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