“Ele me perguntou se eu gostava de sexo a três”. “Ele disse que minhas sardas davam tesão nele”. “Ele chegou na frente de um funcionário de segurança privada e disse para não fazer nada que eu mandasse porque eu era uma imprestável”.
Essas são algumas das denúncias de assédio sexual e moral feitas pela ex-diretora da mulher e de operações do Náutico, Tatiana Roma, contra o atual superintendente financeiro do clube, Errisson Rosendo de Melo. Irmão do atual presidente executivo, Edno Melo.
O assunto veio à tona na segunda-feira quando a ex-funcionária usou suas redes sociais para expor os assédios, que também foram registrados em um Boletim de Ocorrência na 1ª Delegacia de Polícia da Mulher, no bairro de Santo Amaro, no Centro do Recife, no último dia 12 de novembro.
Foram apontados os supostos crimes de importunação sexual (pena de um a cinco anos de reclusão) e contra a honra, como injúria (um a seis meses de detenção, ou multa), calúnia (seis meses a dois anos de detenção, e multa) e difamação (três meses a um ano de reclusão, e multa).
O ge teve acesso ao documento e também à denúncia feita por Tatiana ao Conselho Deliberativo do Náutico, dois meses antes, no dia 2 de setembro.
Segundo consta no Boletim de Ocorrência, os assédios foram registrados entre maio de 2020 e julho deste ano, quando a ex-funcionária deixou o clube. Em entrevista ao ge, Tatiana deu mais detalhes e revelou ter sofrido "pressões" e “intimidações” de outras pessoas ligadas ao clube. Entre elas, o presidente do Conselho Deliberativo, Alexandre Carneiro.
- Primeiro fiz uma denúncia ao Conselho Deliberativo, a princípio sigilosa do caso. O sigilo nesse caso era para que a denúncia, a princípio, não saísse do conselho. E não fizeram nada. Alexandre (Carneiro, presidente do Conselho) me chamou na sala dele me dando pressão para tirar a denúncia, me pedindo para segurar isso para 2022 - relatou.
Tatiana também revelou que, dentro desse processo de intimidação, foi procurada pelo presidente da torcida organizada Fanáutico, conhecido como “Negão” que segundo ela disse ter sido sondado por Errisson com o intuito de que ele denunciasse a ex-funcionária falsamente de racismo. O fato também foi relatado a Alexandre Carneiro, presidente do Conselho, em carta recebida pela secretaria do órgão no dia 28 de outubro.
- Nesse meio termo, o "Negão", da Fanáutico, me ligou, dizendo que Errisson tinha chamado ele pedindo para me denunciar de racismo, que eu teria o chamado de macaco, algo que eu nunca fiz - contou.
O ge teve acesso a alguns áudios de conversas entre Tatiana e o presidente da Fanáutico sobre o assunto. Em um deles, “Negão” confirma não ter sofrido ofensas racistas de Tatiana. A reportagem tentou entrar em contato com o presidente da organizada, mas não obteve sucesso.
Por conta da pressão interna, Tatiana disse ter procurado o presidente do clube, Edno Melo, para falar sobre o assunto e o dirigente propôs um acordo extrajudicial para a retirada da denúncia no Conselho em troca da doação de 50 cestas básicas para o Lar do Neném - organização não governamental do Recife que acolhe crianças de 0 a 4 anos, em situação de abandono ou risco.
O acordo foi protocolado no dia 7 de outubro como um “instrumento particular de transação extintiva de litígio”. O documento, também obtido pela reportagem, foi assinado tanto por Tatiana quanto por Errisson Melo. Mas, segundo a ex-funcionária, não foi cumprido.
- Eu aceitei o acordo porque queria paz e retirei o processo do Conselho. Só que Errisson não doou as 50 cestas básicas. Ele fez uma transferência no valor de R$ 2.500 que não corresponde ao valor de 50 cestas básicas (no Recife, o preço médio de uma cesta básica é de R$ 101,21). Aí fiz uma nova denúncia ao Conselho pedindo o afastamento de Erisson em 48 horas e aí minha vida virou um inferno - relatou Tatiana.
- Alexandre me ligou dia 8 de novembro só não me chamando de bonita, o resto ele me esculhambou. Disse que o clube teria uma eleição para enfrentar (no próximo dia 5 de dezembro) e que eu deixasse o assunto quieto, que não deveria tornar isso público. Diante disso e do que Alexandre me disse eu optei por fazer o BO - acrescentou a ex-funcionária alvirrubra.
Os assédios: Segundo Tatiana, antes de procurar a polícia, ela ouviu outras cinco funcionárias do clube, das quais quatro também relataram terem sido vítimas de assédios sexuais proferidos por Errisson Melo.
"Eu passei uma manhã trancada no meu quarto chorando. Você não tem noção o quanto é horrível ouvir de outras mulheres o mesmo que você passou. E algumas com relatos muito piores."
- No começo eram só o que alguns homens consideram como brincadeiras de mau gosto. Eu percebi que passou para uma problema maior no dia em que cheguei ao clube e Errison estava me esperando e me perguntou se eu gostava de sexo a três. Eu não respondi e subi. Isso foi a primeira. Depois houve várias desse tipo - afirmou.
- Teve um dia em que estava com uma blusa em que aparecia um pouco o meu ombro e ele disse que minhas sardas davam tesão nele e que ele não conseguia se concentrar no que eu estava falando com ele. Outra vez, em frente a outro funcionário, ele perguntou se eu conhecia o motel Lemon. E aí foi uma escalada. Com outras funcionárias ele fazia questão de trocar de roupa na frente delas, trocava de blusa. Coisa desse tipo - completou Tatiana
Ainda segundo a ex-diretora da Mulher do Náutico, ao não obter sucesso no assédio sexual, Errisson Melo partiu para as ofensas morais, procurando a desmerecer. Algumas vezes na frente de outros funcionários do clube
- Quando ele viu que não conseguiria, começou a fazer o que, para mim, por incrível que pareça, é ainda pior. Ele começou a me atingir moralmente. Começou a me chamar de idiota, me esculhambar. O custo de um jogo, por exemplo, era de R$ 6 mil, e ele me dava R$ 500 e mandava eu me virar. Ele começou a querer me diminuir para ver se conseguia o que ele queria. Chegou na frente de um funcionário de segurança privado e disse para não fazer nada que eu mandasse porque eu era uma imprestável.
O ge também ouviu outra ex-funcionária do Náutico que acusa o superintendente financeiro Errisson Melo e pediu anonimato. Ela revelou que sofreu os supostos assédios sexuais e morais entre 2017 e 2018. Ou seja, dois anos antes dos relatados por Tatiana Roma.
"Ele verbaliza que queria deitar comigo. Me chamava de linda, dizia que eu tinha um corpão e só queria uma noite comigo. Às vezes o assédio não precisa nem verbalizar, a forma como ele olha já diz tudo", relatou a ex-funcionária, que afirmou ainda que a prática de assédio moral era recorrente e atingia não apenas as mulheres.
- Sempre teve e muito, com todos os funcionários. Homens, mulheres, que eram muito destratados pelo poder que ele tinha por ser irmão do presidente. Os homens têm medo, as mulheres têm medo. Ele usa do poder de ser irmão do presidente e do cargo, por mexer com o dinheiro. Ele paga seu salário hoje, mas, se não tiver a fim, não paga. Ele pode atrasar como retaliação - revelou.
O que dizem as pessoas citadas:
Errisson Melo ó quis se pronunciar via o advogado, Luiz Gaião, que, em contato com o ge, afirmou ainda não ter tomado conhecimento total da denúncia e que por isso não iria se manifestar, a princípio. Apenas adiantou que, caso as denúncias não sejam comprovadas, a ex-diretora Tatiana Roma será acionada na Justiça.
- O BO eu li rapidamente, mas não sei o que foi colocado como prova. Não tive ainda acesso a nada. Por enquanto fica difícil de pronunciar até saber qual será a linha que a gente vai adotar, seja para defesa ou para questionar os atos que ele está dizendo. Em uma queixa criminal, quem alega tem que provar. E caso ela não prove haverá uma reação que seria as medidas judiciais cabíveis, como crime contra a honra.
Alexandre Carneiro; Negou ter pressionado e intimidado Tatiana. Disse apenas que pediu para que não tornasse o caso público, para que não ela não fosse acusada de manobra eleitoreira.
- Eu sempre disse a ele que o sigilo era importante para manter a importância da denúncia porque é ano eleitoral, então se vazar o sigilo iriam reduzir o tamanho da queixa dela e jogar para a questão política, porque ela é amiga de Bruno Becker (candidato à presidência pela oposição). A denúncia foi protocolada no Conselho e logo depois foi feito um acordo das partes (das cestas básicas) e o principal princípio da mediação é o sigilo. O acordo não foi cumprido é o que ela diz, que explicasse o tamanho do descumprimento no conselho. Algo que ela não fez. Ela não trouxe oficialmente documento da entidade informando que foi descumprido o acordo.
Edno Melo Não quis se pronunciar.
Nota oficial do Náutico:
A respeito de denúncia que está circulando nas redes sociais e na imprensa, a diretoria do Náutico vem se posicionar sentido de que:
Sob orientação do setor jurídico, à época em que o assunto veio ao conhecimento da gestão, foi indicado que haveria um diálogo entre as partes, e que veio a se confirmar com a posterior celebração de um acordo, o que representava, naquele momento, um entendimento.
Se, de fato, há desdobramentos recentes, inexistentes no período citado, será envidada uma apuração detalhada do ocorrido, para eventuais novas deliberações.
Naturalmente, diante da gravidade da denúncia, o funcionário em questão pediu afastamento enquanto o assunto está sendo tratado no âmbito jurídico. Todas as medidas que se fizerem necessárias serão adotadas para que não restem dúvidas sobre os fatos e efetiva ação, no caso de outras medidas administrativas cabíveis.
Ficam reiterados aqui os princípios sempre praticados pela gestão, de combate a todas as formas de desrespeito, preconceito ou intolerância, de qualquer ordem.
Globo Esporte
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