O governo Bolsonaro extinguiu ou esvaziou 75% dos conselhos e comitês nacionais mais importantes do Brasil. Órgãos que acolhiam representantes da sociedade civil para amparar iniciativas do governo. Esse desmonte da participação popular nas discussões sobre políticas públicas começou já num dos primeiros decretos do presidente.
Os conselhos ou comitês são formados principalmente por representantes da sociedade e muitas vezes são a única forma de participação popular nas discussões do governo para decidir políticas públicas que vão afetar a todos nós, na saúde, na educação, na defesa dos direitos humanos, no meio ambiente.
O Conama, o Conselho Nacional do Meio Ambiente, por exemplo, discute as principais políticas ambientais para o país. Integrantes de vários setores participavam das reuniões, mas isso mudou logo nos primeiros meses do governo Bolsonaro. Um decreto do presidente, de 2019, permitiu extinguir ou mudar as regras de funcionamento de todos os conselhos. Ex-conselheiros dizem que cientistas, indígenas e trabalhadores rurais foram excluídos do Conama na nova formação, o que fez a sociedade perder voz no conselho.
“O Conama, além de não estar se reunindo, não estar produzindo decisão pró-sociedade, pró-sustentabilidade, ele está produzindo decisões antissustentabilidade. Como, por exemplo, a retirada de proteção das áreas de restinga, a retirada da proteção do entorno dos mananciais, a falta de requisitos ambientais para a incineração de resíduos e, pior do que isso, você perde a capacidade de discutir política pública”, diz Carlos Bocuhy, presidente do Proam - Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental.
Um levantamento inédito do Cebrap, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, mostra que agora, mais de dois anos depois do decreto, o governo Bolsonaro desmontou, praticamente, essa estrutura de participação popular. A pesquisa aponta que, hoje, 75% dos comitês e conselhos nacionais mais importantes estão esvaziados ou foram extintos.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar, um dos símbolos da luta conta a pobreza e a fome, está inativo. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente foi esvaziado. O Cebrap analisou 100 conselhos e comitês.
“As perdas que a gente tem são uma redução da transparência. Organizações que fiscalizam, que controlam para ver o uso adequado dos recursos públicos deixam de ter acesso aos dados, deixam de conseguir acompanhar como é que a política pública está sendo executada. Você tem uma perda na qualidade da política e um enfraquecimento, fragilização da própria democracia brasileira”, afirma a cientista política Carla Bezerra, do Cebrap/UFRJ.
Uma decisão do STF, limitou ainda em 2019, o alcance do decreto, impedindo que conselhos criados por lei fossem extintos. Mas o professor de Direito Constitucional da UFF Claudio Souza Neto diz que o governo está encontrado outras maneiras de restringir a participação da sociedade.
“Ele tem lançado mão de outros subterfúgios para evitar o funcionamento dos conselhos, tem alterado a sua composição, excluído membros da sociedade civil, alterado procedimentos. A rigor, o governo retira efetividade, autenticidade, integridade desses órgãos”, explica.
O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Conade, está inativo há quatro meses, depois de 22 anos de conquistas importantes. A ex-conselheira Daiane Mantoanelli diz que o governo impede o funcionamento do Conade ao criar obstáculos para a eleição de novos membros.
“A gente tem impacto na garantia de nossos direitos, como, por exemplo, uma discussão muito cara para nós, que é a inserção no mundo do trabalho, a discussão sobre a educação inclusiva, sobre escola bilíngue, sobre acessibilidade, sobre a avaliação da pessoa com deficiência. E são temas que a gente está distante, que as pessoas com deficiência estão silenciadas”, diz.
“Toda montagem que veio sendo feita nos últimos 30 anos da participação social na forma de conselho, ela vai ser exatamente atacada nesse sentido. Então, não há dúvida que quanto menos participação social, menos transparência, mais possibilidade de que o governo tenha todo o controle daquilo que ocorre nas políticas públicas. E isso é o fundamento exatamente do que é o contrário do que a Constituição de 88 preconiza”, afirma o cientista político Wagner Romão, da Unicamp.
A Casa Civil declarou que, ao todo, já foram revogados mais de 560 decretos constituintes de comitês na administração pública; que o objetivo é racionalizar a criação de colegiados e estabelecer regras rígidas para evitar conselhos desnecessários e de resultados práticos desconhecidos; e que a medida representa a consagração aos princípios da eficiência e impessoalidade.
jornal Nacional Foto Ilustrativa
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