Matéria, que altera o Código Florestal, é vista com cuidado e preocupação por uns e como uma forma de dar segurança jurídica e regulamentar melhor as APPs por outros. O texto segue outra vez para a Câmara, com acompanhamento de setores diversos
O Senado Federal votou no ultimo dia 14, um projeto de lei que está sendo visto com verdadeiros “olhos de lince” por ambientalistas, especialistas em bacias hidrográficas, prefeituras e governos municipais de todo o país.
O texto transfere para as prefeituras a responsabilidade sobre a preservação das faixas marginais de rios que cortam as cidades. Na prática, altera o Código Florestal para regulamentar a ocupação do entorno de rios em áreas urbanas consolidadas, remetendo sua definição a uma lei municipal.
Segundo algumas comissões do Senado que discutiram a proposta, a questão se dá porque, atualmente, o Código Florestal fixa faixas marginais que variam de 30 a 500 metros conforme a largura dos rios, considerando-as “Áreas de Preservação Permanente (APPs)”. No Senado, o PL teve relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM) e vinha sendo visto como uma matéria legislativa delicada, que dependendo da forma como for aprovada, poderá fragilizar a preservação de margens de rio – essenciais para a manutenção desses corpos d’água.
Como existem várias propostas sobre o mesmo tema, na última hora os senadores decidiram aprovar o projeto que tinha sido aprovado no mês passado pela Câmara dos Deputados e arquivar texto do senador Jorginho Mello (PL-SC), que tinha teor semelhante – pelo fato do primeiro ser mais antigo. Com isso, conforme as regras regimentais, a matéria terá de voltar para a Câmara, para análise das emendas feitas pelo Senado.
O relator explicou que a lei referente ao Código Florestal (Lei 12.651/2012) estabelece que faixas às margens de rios e córregos são Áreas de Preservação Permanente (APPs), e sua extensão é determinada a partir da largura do curso d’água. Com a proposta aprovada, essa regra deixará de ser aplicada em áreas urbanas para edificações que já existam. Em vez disso, cada governo local deverá regulamentar o tamanho das faixas de preservação, devendo respeitar apenas uma distância mínima de 15 metros. Já as edificações construídas depois da entrada em vigor do novo texto continuarão sujeitas às normas originais do Código Florestal.
Mudança semelhante valerá para as chamadas reservas não-edificáveis, definidas pela Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/79). Na atual legislação, faixas de 15 metros ao longo de águas correntes (rios e córregos) e dormentes (lagos e lagoas) não podem receber edificações. O projeto de lei também confere aos municípios a prerrogativa de tratar desse assunto, mas edificações nesses locais que tenham sido construídas até 28 de abril de 2021 ficarão dispensadas de observar as novas regras. Em vez disso, elas terão que cumprir exigência de compensação ambiental a ser definida pelo governo local.
Além disso, conforme explicou o senador Eduardo Braga, para controle das novas áreas de preservação e restrição de edificações que serão definidas por cada município, os gestores locais deverão apresentar suas decisões ao Ministério do Meio Ambiente, que vai reunir as informações em um banco de dados de acesso público.
O projeto aprovado ontem também inclui no Código Florestal a definição de “áreas urbanas consolidadas”, para delimitar onde se aplicam as novas regras. De acordo com o relatório de Braga, essas áreas urbanas devem estar no plano diretor do município e devem possuir características como sistema viário, organização em quadras e lotes, rede de abastecimento de água, rede de esgoto e serviço de coleta de lixo.
“A aprovação das novas regras vai pacificar as divergências que existem hoje sobre as regras de preservação em áreas urbanas no Código Florestal. Um erro na apreciação dos vetos ao texto original do Código deixou para essas áreas as mesmas regras de zonas rurais – que são mais restritivas – jogando dúvida sobre a legalidade de várias construções que já existiam”, explicou o senador. Ele acrescentou, também, que o projeto vai tirar da ilegalidade milhares de empreendimentos residenciais, comerciais, industriais.
“E vai abrir a legalidade, com a responsabilidade ambiental necessária, para que novos projetos possam ser aprovados com segurança jurídica, garantindo ao investidor a pacificação geral com o Código Florestal”, destacou.
O texto foi alvo de várias emendas no Senado, algumas das mais emblemáticas apresentadas pelos senadores Eliziane Gama (Cidadania-MA) e Esperidião Amin (PP-SC). Durante a votação, os parlamentares lembraram que a maior parte dos municípios brasileiros se estabeleceu inicialmente às margens de rios e córregos.
“Tecnicismo e não metragens?” Para o advogado e consultor jurídico do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), Marcos Sales, existe hoje um conflito entre o Código Florestal e a Lei do Parcelamento do Solo. “A questão ambiental deve ser tratada com tecnicismo, não com a definição de metragens em um país com dimensões continentais. O texto traz critérios técnicos e objetivos para que os municípios façam essa definição e isso terá de ser acompanhado”, disse ele, referindo-se não apenas a esse texto como a outros dois em tramitação e um terceiro que tramita na Câmara (e também abordam a questão).
O representante da Fecomércio de Santa Catarina, Guilherme Dalla Costa também disse que a questão da regularização atormenta o setor imobiliário. Ele destacou que o problema chegou, inclusive, a ser levada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por força de recursos especiais de Santa Catarina, por conta de conflito em área urbana em relação a cursos d’água não naturais, canalizados ou tamponados, que não configurariam áreas de preservação. “Isso deu início a uma corrida ao Judiciário, e foi adotada uma espécie de engenharia jurídica para amenizar a questão, aplicando-se a lei de parcelamento do solo em uns casos e, em outros casos, a legislação municipal”, explicou.
OCUPAÇÃO DESORDENADA: O consultor jurídico do Instituto Socioambiental, Maurício Guetta, demonstrou preocupação com o fato de o projeto abrir brechas para a ocupação de APPs de forma desordenada e citou a escassez de recursos hídricos em várias regiões do país. “O risco de abrir APPs sem critério, poderá favorecer novos desmatamentos e a destruição de áreas que deveriam ser preservadas”, acentuou.
“O projeto precisa avançar para garantir a segurança da população e quantidade de água para abastecimento público, produção energética, agrícola e industrial. Deve haver estudo técnico que demonstre algumas condições ambientais, controle e prevenção de riscos geotécnicos e de inundação e comprovação das condições de sustentabilidade”, ressaltou ainda Maurício Guetta.
Na mesma linha do consultor, o fundador da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi), Wigold Schaffer, avaliou que em um país com mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados não deve faltar espaço para a expansão das cidades, que não precisam ocupar as APPs.
“Temos problemas de ocupação histórica de margens de rios, com consequências graves para a população. A lei deverá garantir melhoria da qualidade de vida, zerar o desmatamento em áreas urbanas, zerar a poluição dos rios e amenizar a temperatura. A eventual flexibilização das APPs vai trazer mais prejuízos e riscos de morte, desmatamento em vegetação nativa e diminuição da qualidade de vida nas cidades. Acho que os projetos da Câmara e do Senado não querem isso. Ocupar áreas desordenadas significa ampliar mortes e custos para o erário público”, alertou.
Por todos esses motivos, especialistas diversos e gestores municipais acreditam que a proposta chega em boa hora e torcem para que o debate seja ampliado durante a segunda tramitação da matéria na Câmara dos Deputados.
CHBSF
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