MACONDO DO VALE é uma comunidade de talentos das mais diversas artes, música, teatro, cinema, literatura, poesia, artes plásticas, escultura, dança, oratória, novelas de rádio e uma rica mitologia. É berço de músicos famosos e inovadores, com premiações e reconhecimento internacionais. No esporte é destaque, principalmente com a bola nos pés e conquista olímpica.
Na economia desponta como grande polo produtor e exportador de frutas, contribuindo bastante com a balança comercial. Em matéria de urbanismo, entretanto, Macondo do Vale não é, nunca foi e não parece ter qualquer vocação como referência em planejamento. Ao contrário, prima pela cultura do improviso, com crescimento desordenado e caótico. Macondo tem uma rixa com seu patrimônio histórico, demolindo acervos artísticos e arquitetônicos, como os belos camarotes e parapeitos de sua orla fluvial.
Na política, de uns tempos para cá, tem sido de uma incestuosidade institucionalizada. O prefeito Reitor usou o poder do seu cargo e elegeu o irmão Presidente da Câmara de Vereadores, Poder que deveria fiscalizá-lo. Este último, usa o poder de fogo da Câmara e da Prefeitura comandada pelo irmão e elege-se deputado, desagregando seu
grupo político e desarrumando a gestão administrativa. Depois, o prefeito músico, poeta e maior orador do Estado, elege sua esposa Presidente da Câmara e os poderes harmônicos e independentes de Montesquieu, em Macondo do Vale, ganham versão própria e afinada.
Interdependentes, tornam-se poderes de alcova, juntam as escovas de dentes. Esse mesmo alcaide, em outra oportunidade, coloca sua senhora na chapa como sua vice. O Poeta vive como príncipe encastelado, lendo, meditando e ouvindo música erudita, só saindo de sua redoma de dois em dois anos para as temporadas de caça aos votos. Macondo tem especial apreço pelo incesto político. O prefeito aviador, num belo dia, em meio a festejos e canapés, na presença de convidados, declara para o filho recém formado em Direito: “ se você passar no Exame de Ordem da OAB eu lhe faço deputado estadual”.
O jovem bacharel não poderia receber melhor estímulo, conquista sua aprovação, volta ao pai e cobra a promessa, vez que já estava contagiado pela “mosca azul” da política. Fontes palacianas revelam que o então prefeito ainda tentou dissuadi-lo, mas promessa é promessa, não importa o contexto de sua celebração. Resultado: a máquina
pública é acionada, todos os detentores de cargos e contratos entram na campanha e o advogado é eleito deputado com votação expressiva em todo o Estado, inclusive, obtendo votos nas regiões mais remotas, até mesmo onde nunca estivera. Insatisfações são geradas no grupo político do prefeito por conta desse privilégio, lideranças, apoiadores, concorrentes ao cargo, preteridos, passam a sabotar o governo, que, a exemplo daquele outro, perde as condições de
governabilidade e reeleição. Em ambos os casos, os deputados mostram-se inexpressivos, um não se reelegendo e o outro nem chegando a tentar. Seus padrinhos, os prefeitos de então, da mesma forma, um não se reelege e o outro nem se apresenta para o pleito.
Enfim, chegamos à Macondo pandêmica. Inviabilizada a candidatura do poeta por questões burocráticas (ele sempre teve pavor à burocracia ), em inusitado desapego, abre-se espaço para a experiência de uma primeira mulher a ocupar o Paço Municipal. De perfil assistencialista, protetivo e humanitário, é eleita por avassaladora maioria, com o povo vomitando os últimos doze anos e produzindo alternância de poder. A prefeita, contudo, antes de tomar posse, é acometida e diagnosticada com a mesma síndrome da incestuosidade política.
Dentro de casa, um filho e um sobrinho digladiam por seu apoio para deputado, tendo chegado, dizem, a início de vias de fato, seguindo a mesma escola política de ataque ao princípio da impessoalidade da Administração Pública. O roteiro é o mesmo, as consequências e prejuízos poderão ser os mesmos desse filme repetido.
Jaime Badeca Filho
Espaço Leitor
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