Os sábados estão se tornando dias enfadonhos. Um misto da ausência objetiva do que fazer (não ter expediente no trabalho), acrescido de outras preocupações comezinhas (consertar o carro, comprar a carne), atrelados a outras tantas permanentes (dívidas, futuro, incertezas, pecados, faltas morais).
Por outro lado, para uma pequena minoria, esses problemas não fazem sentido, pois simplesmente não lhes afetam, ou lhes dizem respeito, não importa o expediente (pois garantido na estabilidade de um bom salário, ou no próprio negócio que lhe faz dono de si e de lucros, sem agruras), muito menos as coisas comezinhas (pois tem quem as supra) e, claro, pelas outras coisas permanentes (pois, ou não existem e, quando existem, é possível vários sábados para aplacá-las), sim, vários sábados!
Os tranquilos podem ter vários sábados seguidos! O domingo, a segunda, a terça, é sempre um sábado! Advirto aos patrulheiros da moral alheia: a grande maioria dos funcionários públicos não está nessa qualificação e muito menos os empreendedores do Brasil. Para esses, o sábado está se perdendo, também.
Por exemplo, conheço funcionário público bem graduado, aquinhoado de um ótimo salário, que recebe honorários do contribuinte, até mesmo já recebendo o alto salário, bem como outro tipo igual, que varia sua remuneração em conformidade com o que se arrecada do mesmo contribuinte, cujo apelido deveria ser “sempresábado”. E digo, para esses, que o mestre Nelson Rodrigues se enganou; “O sábado nunca será uma grande ilusão”.
O fato é que, nem mesmo o grande engano do sábado está sendo possível. As lembranças não são mais as mesmas. As da maioria, quase sempre duras e difíceis, a dos outros sempre belas e de sábados sempre felizes! As tais redes sociais são o ápice dos sábados! São nelas que os “sempresábados” se esbaldam em cliques e risos iguais. Se New York é bela, o mar do Litoral Sul também ou o frio das colinas agrestes, não basta mostrá-las! Havemos de notificar o mundo sobre o fato de que, eu posso ter tudo aquilo e estou lá, “de sábado a sábado”.
Tudo bem, sei que alguns dirão que essa narrativa parece invejosa, para quem não conseguiu isso, por um motivo ou outro; Mas não! Não se trata disso! Trata-se de uma outra coisa! As vidas das pessoas não são iguais, mesmo assim, as sociedades não sobrevivem com tamanha desigualdade (isso explicaria o populismo?). Nunca tivemos tanta disparidade entre as pessoas. Nosso fosso social está sendo cavado cada vez mais, sem que seja possível “arar alguma nesga de terra onde seja possível que todos pisem de forma minimamente igualitária”.
A propósito, saí de casa, neste último sábado, sem o celular! Um ato de rebeldia. Como foi bom. Eram mais de nove horas da manhã quando cometi este feito. Andando, dobrei a esquina, e percebi que soprava, ainda, alguma brisa matinal. Resolvi parar numa primeira padaria, pedi um café. Ao lado, um outro tomava o mesmo café, ansiosamente clicando e fazendo selfies, após algum exercício presumidamente feito recentemente. Sorvi o meu primeiro gole, com um certo ritual nipônico. O vizinho continuava clicando.
Terminei, paguei a conta, quando ouvi ao telefone uma combinação desse “parceiro” de padaria: “.... olha, acabei de voltar de lá, tomei a vacina nos EUA, passei mais de trinta dias com a família, não viste nada (?), postei diariamente (!), te digo uma coisa, nosso Brasil não tem jeito amigo, estou fora (!), deixa eu me aposentar que logo sairemos daqui (!)”. Mas o dia ainda estava belo. Janaína, uma esmoler, correu em minha direção, na porta de saída da padaria. Pediu-me dinheiro. Disse a ela que não tinha em espécie. Ela perguntou se poderia comprar comida (?).
Voltei, com sanduíche e suco, sorvidos avidamente por ela. Segui meu sábado com a imagem da cena em minha mente. Consegui neste mesmo sábado, sem o celular, olhar paisagens e lembrar da Persistência da Memória, de Salvador Dali, O Grito, de Munch, e Guernica, de Picasso, que disse que sua obra “... não está feita para decorar apartamentos... ela é uma arma de ataque e defesa contra o inimigo.”. Os meus inimigos derroto nas Cinzas das Horas, e nas calçadas das ruas, minha única arma, contra o Twitter do celular alheio.
*Rodrigo Pellegrino de Azevedo-Advogado
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